Diplomata escondeu relatório sobre Timor

Renúncia de Pereira Gomes anunciada horas depois de e-mail do DN perguntando-lhe sobre omissão de informações a Lisboa em 1999
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Às 16.55 de ontem chegou às redações o comunicado, emitido a partir do gabinete do primeiro-ministro, no qual o embaixador José Júlio Pereira Gomes comunicava a sua renúncia ao cargo de secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SG-SIRP). "Importando salvaguardar a dignidade do cargo de secretário--geral do SIRP de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções, resolvi comunicar a S. Exa. o Primeiro-Ministro a minha indisponibilidade para aceitar o cargo para que me havia convidado, agradecendo-lhe a confiança em mim depositada."

Horas antes, pelas 13.19, o DN havia pedido por e-mail a Pereira Gomes (atualmente embaixador de Portugal em Estocolmo, Suécia) um comentário a uma outra história sobre a sua chefia da Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor--Leste (MOPTL), em 1999, no referendo em que os timorenses escolheram a independência.

Esconder um plano indonésio

Segundo o DN apurou junto de fontes diretamente envolvidas no processo, antes do referendo (30 de agosto de 1999), Pereira Gomes teve acesso a um plano militar muito detalhado sobre a onda de violência que as forças indonésias desencadeariam após a consulta popular, no caso de o "sim" à independência vencer. O plano passava essencialmente pela criação de uma narrativa de confronto entre fações timorenses a favor e anti-independência que legitimariam uma intervenção militar indonésia em força. Incluía também o objetivo de afastar do território todos os estrangeiros. Segundo os testemunhos obtidos pelo DN, Pereira Gomes teve acesso ao plano - mas nunca o enviou para Lisboa.

Ouvida pelo DN, Ana Gomes, então embaixadora em Jacarta, afirmou que se esse plano tivesse sido comunicado a Lisboa, "garantidamente" ela teria tido conhecimento em Jacarta, quanto mais não seja para confrontar as autoridades indonésias. Mas isso não aconteceu. Ontem, pelas 16.00, Pereira Gomes respondia ao DN dizendo que "essa informação não tem qualquer fundamento". "É um boato calunioso. Desafia a lógica elementar que tendo tido "acesso a um plano muito detalhado das forças indonésias para o caso de serem derrotados", não ter informado Lisboa. Porque haveria de não informar? Toda a informação sobre os rumores, boatos e planos da Indonésia foram reportados a Lisboa, por telegrama ou telefone. De resto, a generalidade desses boatos, rumores e planos foram amplamente comentados pela imprensa da época." Ou seja, apesar da "dificuldade em separar os boatos de algo mais consistente", a "regra foi sempre a de, na dúvida, reportar o que íamos ouvindo." Mas 55 minutos depois chegava a notícia da sua renúncia.

António Costa - que disse ontem na SIC que não sabia das histórias de Pereira Gomes em Timor - terá agora de procurar outra personalidade para suceder ao atual SG-SIRP (Júlio Pereira, procurador do Ministério Público). Após divulgar a renúncia de Pereira Gomes, o gabinete de Costa emitiu também um comunicado do primeiro-ministro em que este confirmou que o governo averiguou o perfil do embaixador junto de várias personalidades (Guterres, por exemplo) depois do "questionamento público" da sua atuação em 1999, concluindo que valia a pena reafirmar-lhe a "confiança".

A história começou a 31 de maio passado, quando Ana Gomes disse ao DN que Pereira Gomes não tinha condições para "aguentar situações de grande pressão" ou de inspirar "confiança e autoridade". Razão: em 1999, quanto Timor-Leste estava a ferro e fogo, após o referendo, deixou o território contrariando diretivas iniciais de Lisboa. Ontem, disse que a renúncia foi uma atitude "decente".

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