Fernando Lima diz que Cavaco foi informado por magistrado de escutas

Fernando Lima, no seu livro de memórias, escreve que o Presidente sabia que o seu genro constava das escutas do processo. "Não constituía uma novidade."
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O Presidente da República Cavaco Silva foi informado em 2009 por um magistrado que o seu genro constava das escutas do caso "Face Oculta", escreve Fernando Lima, no seu livro de memórias dos dez anos, em Belém.

"Quando a transcrição das escutas do "Face Oculta" foi divulgada, em fevereiro de 2010, para Cavaco Silva não constituía uma novidade que nelas constassem o nome de Luís Montez. Em meados de outubro de 2009, fora informado por um magistrado de que esse processo incluía uma alusão ao seu genro, uma vez que no negócio da PT/TVI, estava ainda previsto ser-lhe atribuída uma das rádios da Media Capital, pertencente à Prisa", regista Fernando Lima, sem desenvolver mais.

O DN contactou o Gabinete do Sacramento, do anterior Presidente da República, mas não obteve resposta até à hora de fecho desta edição. Também não foi possível contactar com Luís Montez, ausente do país.

Em março de 2014, nas alegações finais do julgamento do "Face Oculta", o magistrado do Ministério Público Marques Vidal afirmou que "o poder político da altura estava informado não só da existência das escutas como da existência do processo". A comunicação social identificou à época esse "poder político":. José Sócrates e Armando Vara.

Este processo alimenta uma tese central no livro de Lima - a de que Sócrates como primeiro-ministro queria "ter tudo quanto vive sob controlo", como escreve António Barreto, citado pelo autor do livro. Lima fala num "perfil agressivo" do socialista, que se torna cada vez "mais nítido", começando "a ser detetados sinais da vocação "controleira" do poder socrático".

É esta imagem do Governo de Sócrates que melhor serve para chegar ao "caso das escutas", que em 2009 acabará por transformar as suas relações com Cavaco. Socorrendo-se de textos de gente como António Barreto ou José Medeiros Ferreira, dos jornalistas São José Almeida, José Manuel Fernandes ou Rui Costa Pinto, e do empresário Belmiro de Azevedo, o homem na sombra do Presidente descreve Sócrates como "a mais séria ameaça contra a liberdade" (Barreto) ou "um líder que segue a tradição bolchevique, como o caracterizou Medeiros".

Ao entrar no caso BPN, Fernando Lima acha "curiosa" a investida sobre Dias Loureiro, à época (2009) conselheiro de Estado escolhido pessoalmente por Cavaco Silva e figura muito próxima do Presidente da República - tinha sido seu ministro e secretário-geral do PSD no cavaquismo.

O facto do banco de Oliveira e Costa (também secretário de Estado de Cavaco) ser um caso de justiça - como tudo apontava que era com a catadupa de notícias que iam saindo - ou ser também um problema para Dias Loureiro, que tinha situações por explicar, parecia menos importante para o ex-assessor do Presidente. Lima descreve o escrutínio sobre a atividade do amigo de Cavaco como uma "campanha negra" com um alvo. "Depressa se percebeu que se pretendia ir mais longe na ofensiva em curso, com um alvo bem preciso: Cavaco Silva." Com o BPN nacionalizado, Lima acusa socráticos de usarem esse poder para dizer que "tudo seria mais fácil com a informação proveniente daquela instituição bancária".

Ao longo deste processo, há outra personagem que entra em cena, que Lima nunca nomeia. Trata-se de um adjunto do gabinete do primeiro-ministro que se faz convidado na visita presidencial à Madeira. Rui Paulo Figueiredo, "o Toneladas", como chama o autor ao socialista (seria depois eleito deputado pelo PS) é o "intruso" da Madeira e a quem Lima atribui a autoria de um blogue anónimo pró-socrático: O Jumento.

A informação chegou-lhe por "mão amiga" que lhe entregou "um relatório particular de uma investigação feita, a meu pedido, ao referido blogue, em 2009". Esta informação contraria uma manchete do jornal i, de 2 de março de 2010, em que o então jornalista Paulo Pinto Mascarenhas escrevia que tinha chegado à fala com "o autor do blogue", identificado como Victor Sancho, quadro superior da Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo.

Lima usará outro método menos convencional: sentindo-se vigiado toma nota da matrícula de um carro, identificando no livro dados pessoais do proprietário, sem referir o nome.

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