Barões das câmaras querem voltar ao poder, com ou sem partidos

Limitados pela lei em 2013, há autarcas que pretendem regressar. Candidaturas independentes ganham força de norte a sul do país
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A notícia caiu que nem uma bomba naquele auditório de Pombal onde decorria um fórum organizado pela JSD, em abril passado. Narciso Mota, um dos dinossauros do PSD que presidiu durante 20 anos aos destinos de um dos maiores concelhos do país, anunciou a intenção de se candidatar à câmara, em desacordo com as políticas do sucessor, Diogo Mateus. Os estilhaços fazem sentir-se até agora no partido. Ali como noutros pontos do país a guerra está aberta: as autárquicas de 2017 poderão fazer disparar o número de candidaturas independentes, uma vez que as direções nacionais dos partidos tendem a negar apoio a esses regressos, depois do "período de nojo" imposto pela limitação de mandatos. E muitos dos antigos autarcas que a lei afastou querem voltar.

"O PSD tem feito tudo o que pode para me demover desta intenção", disse ao DN Narciso Mota, 68 anos, 20 como presidente da Câmara de Pombal, que recuperou para o partido em 1993. A partir daí, ganhou sempre, cada vez por margem mais dilatada. Nessas duas décadas teve (quase) sempre a seu lado Diogo Mateus, no papel de vice-presidente, até à sucessão considerada natural. Três anos volvidos, o que mudou? "Percebi que os pombalenses repudiam o revanchismo, a vingança, as marginalizações, os despedimentos forçados, que só contribuem para a desmotivação, para depressões que afetam a vida dos funcionários e do município", diz Narciso Mota, que quando passou a pasta a Diogo Mateus ficou a presidir à Assembleia Municipal.

A limitação de mandatos imposta por lei acabou à força com a liderança autárquica que, em muitos casos, estava para durar. "Até era a favor dessa lei se os que a aprovaram no Parlamento a aplicassem a eles próprios", sustenta Narciso Mota, agora decidido a avançar de qualquer maneira: "Se o PSD não me quiser, serei candidato independente, com um grupo de pessoas de vários quadrantes políticos."

Foi o que fez em Elvas Rondão Almeida, histórico do PS que deixou o nome espalhado por Elvas, desde rotunda, praça de touros, lar da terceira idade. Rondão já tem equipa, listas fechadas e sede de candidatura. Aos 73 anos, depois de cinco mandatos como presidente, 40 de militante do PS, testa uma nova vida: "Costumo dizer que na política ganha e perde quem tem o poder nas mãos. Se está a exercer bem é muito difícil a oposição apresentar alternativas. Se está a exercer mal é fácil a população aderir a novos projetos. É o que está a acontecer com o movimento Elvas É o Nosso Partido." Tem uma direção composta por 22 pessoas e dez grupos de trabalho constituídos. "Nunca senti dentro do PS esta dinâmica de trabalho que sinto com estes independentes. Não tenho dúvida de que vai haver uma queda abrupta dos partidos nestas eleições, talvez pelo mau exemplo que têm dado."

À volta de Elvas, num raio de 50 km, Rondão Almeida contabiliza cinco câmaras geridas por grupos de independentes. No caso do antigo socialista Rondão de Almeida já não há margem para conversas com o partido: entregou o cartão do PS no passado dia 25 de abril.

Maria da Luz Rosinha, responsável pelo dossiê autárquicas no PS, escusa-se a comentar o caso de Rondão, limitando-se a dizer que "essa pessoa já não faz parte do partido". E sobre o cenário do aumento de candidatos independentes, Maria da Luz garante ser uma questão que não preocupa o PS. Já o presidente dos autarcas do PSD Álvaro Amaro, que preside à Câmara da Guarda, não estranha que apareçam antigos companheiros a querer voltar. "Não vejo nada que o possa impedir. Tal como achei há três anos que era possível candidatarmo-nos a outros concelhos desde que houvesse vontade e consonância entre eles e os partidos, também agora não vejo nenhuma dificuldade nisso desde que se respeitem os mesmos critérios: a vontade dos próprios, a vontade das concelhias e distritais e também a avaliação que for feita pela comissão coordenadora autárquica."

Menezes não, Isaltino nim

A norte, porém, onde tantas vezes já foi apontado como candidato ao regresso, Luís Filipe Menezes é daqueles que descansam o partido: "Estou completamente afastado de todo e qualquer cargo público. Não sou candidato a coisa nenhuma. Sou apenas candidato a que me deixem em paz", disse ao DN o antigo presidente da Câmara de Gaia. Nos últimos meses várias notícias apontavam no sentido contrário, embora de forma suave, quando comparada com a mediatização à volta do regresso de Isaltino Morais, antigo autarca de Oeiras.

É verdade que os habitantes do concelho foram sondados ao telefone, em abril, num inquérito que tentava aferir a notoriedade do atual presidente da Câmara de Oeiras, Paulo Vistas, e do seu antecessor, apesar de nenhum assumir a autoria da encomenda.

O ex-autarca do PSD e fundador do movimento Isaltino, Oeiras mais à Frente presidiu àquela autarquia entre 1986 e 2013, os últimos três mandatos já como independente. Ausente no estrangeiro, acedeu responder por escrito ao DN. "As questões que coloca seriam pertinentes para alguém que já se haja posicionado como candidato. Não é o meu caso, porquanto até agora não manifestei qualquer intenção de o fazer." Além disso, diz, é "muito cedo para qualquer pronunciamento, pois estamos a mais de um ano das eleições e deve deixar-se a maior tranquilidade a quem governa".

Precursor dos movimentos independentes que têm crescido no país, sobretudo movidos pelo descontentamento dentro dos partidos, Isaltino considera que têm uma importância óbvia "dada a mobilização participativa que gera em cidadãos que não se reveem no processo de seleção política dos partidos". Acresce que "as candidaturas independentes são por natureza mais abrangentes e transversais aos partidos e, naturalmente, mais envolventes e empenhadas na defesa dos interesses locais e abertas à participação de todos os cidadãos". O antigo autarca acredita que 2017 vai mostrar esse reforço e que o mesmo será "fundamental para o aprofundamento da democracia participativa, chamando os cidadãos à causa pública, chamamento que os partidos não fazem, antes excluem". Por todo o país há exemplos como os de Narciso Mota ou Rondão de Almeida, mas poucos assumem publicamente a intenção de uma candidatura. "Eles viveram de tal maneira esses cargos, que mesmo quando saíram para outras funções públicas, seja para ministro, deputado europeu, isso não serve para homens que se confundiram com a própria instituição municipal e na relação direta com os povos", considera José Adelino Maltez, especialista em ciência política. "Podem chamar-lhe jardinismo, mas são homens que foram talhados para isso e sentem que ainda têm alguma coisa para dar. São ambiciosos, gostam de ser políticos e querem ir a votos. É legítimo."

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