25 abril 2017 às 01h17

A Revolução dos Cravos e a geringonça estão no mesmo campeonato?

Há 43 anos, o 25 de Abril deu o pontapé de saída na chamada "3.ª vaga de democratização" mundial. Será que o entendimento atual das esquerdas pode ter efeitos iguais de contágio?

João Pedro Henriques

Carlos Jalali, cientista político, pede calma nas análises. Sim, é certo, a forma como a "geringonça" está a funcionar em Portugal - até pelos resultados económicos que tem obtido, razoáveis na maior parte dos itens - tem suscitado "atenção e muito interesse" no estrangeiro, sobretudo por essa Europa fora.

Mas, acrescenta, é errado dizer que pode ter agora e para os próximos anos um efeito de contágio noutros países como o 25 de Abril de 1974 teve, "por emulação", na democratização de outros regimes

"Não, o 25 de Abril e a geringonça não estão no mesmo campeonato", diz Jalali, sublinhando que o efeito da revolução que os capitães fizeram em Portugal foi enorme, dando início aquilo que Samuel Huntington definiria como a "3.ª vaga de democratização" do mundo, com as democratizações logo a seguir de Espanha e da Grécia, depois passando para a América Latina e acabando na queda do Muro de Berlim, com toda a Europa de Leste a libertar-se do jugo do socialismo científico imposto a partir de Moscovo.

E a solução política atual, acrescenta, podendo e sendo de facto inovadora em Portugal e interessante para estudo internacional, não tem esse peso de facto "revolucionário" que o 25 de Abril teve (porque demonstrou, por exemplo, que eram possíveis mudanças estruturais de regime sem derramamento de sangue e sem que de uma ditadura se passasse necessariamente para outra de sinal oposto).

Além do mais, assinala Jalali - mas também um outro cientista político ouvido pelo DN, António Costa Pinto -, o problema é que o entendimento português das esquerdas assenta na existência de um PS que permanece eleitoralmente forte (32,3%). E implica também uma outra raridade europeia, a existência de um partido comunista com quase dez por cento de votos (8,25%, nas últimas legislativas).

Esta "geometria" é rara para não dizer inexistente na Europa e isso dificulta replicações da experiência - sabendo-se, além do mais, que, como o PCP gosta de dizer, cada solução política resulta sempre a correlação de forças entre as suas componentes.

"Talvez - admite Jalali - na Alemanha o SPD [partido homólogo do PS português] venha a conversar com o Die Linke ["A esquerda", partido que pode ser considerado aparentado com o Bloco de Esquerda]." Mas - acrescenta Costa Pinto - é difícil que essa possibilidade de entendimentos se entenda por exemplo para Espanha, onde os equivalentes locais do PS e do BE - o PSOE e o Podemos - têm forças eleitorais "muito parecidas [na ordem dos vinte e poucos por cento]" sendo portanto, antes do mais, "partidos concorrenciais". Assim, diz Costa Pinto - como Jalali - "não é perspetivável que a geringonça tenha um efeito inovador como o 25 de Abril teve". E aliás, sublinha, o próprio facto de as esquerdas só se terem conseguido entre si um acordo de governação mais de 41 anos depois da revolução é em si mesmo "um legado do 25 de Abril", ou seja, do brutal combate que o PS e o PCP travaram entre si em defesa de modelos de regime e de economia tudo menos compatibilizáveis.

Os dois cientistas políticos relativizam então a possibilidade de a "geringonça" vir a ter um peso estrutural relevante na evolução dos regimes europeus e não alimentam comparações com o 25 de Abril.

Ora um histórico socialista ouvido pelo DN, Manuel Alegre, não alinha exatamente nessa relativização. O entendimento das esquerdas - diz - "é um exemplo, uma solução pioneira única", algo que sem dúvida deveria colocar o PS português como objeto de referência por essa Europa fora, porque "compreendeu os desastres" de partidos irmãos na UE e soube responder-lhes, inovando - e com isso sobrevivendo.

Não há dúvidas para o poeta de que hoje será homenageado com leituras dos seus poemas na residência oficial do primeiro-ministro: "A geringonça é, depois do 25 de Abril, o facto político mais relevante deste pequeno retângulo a que chamamos Portugal." E uma das explicações para esse carácter relevante e inovador é que, tal como aconteceu em 1974, em 2015 os respetivos protagonistas - Costa, Jerónimo, Catarina e os seus partidos - "não pediram licença a ninguém" para fazerem o que fizeram.