"A minha vida será continuar a sonhar coisas impossíveis"
Vestidos de igual, blazer azul-escuro e camisa azul-clara, Jerónimo de Sousa e Edgar Silva, entraram, sorridentes, na sala de imprensa sob uma chuva de aplausos de apoiantes. Tudo o que tinham definido como objetivos falhou: impedir que Marcelo Rebelo de Sousa ganhasse à primeira volta, combater a abstenção e aumentar a sua votação para reforçar o seu peso nas "lutas" que ainda será preciso travar.
O candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS ganhou, mais de metade dos eleitores não votaram e o candidato do PCP obteve o pior resultado de sempre nas eleições presidenciais. Os 3,95% ficaram muito atrás de Otávio Pato, em 1976, com 7,5%; de Carlos Carvalhas, em 1986, com 12,92%; de António Abreu, em 2001, com 5,6%%; de Jerónimo Sousa, em 2006, com 8,6% e até de Francisco Lopes, em 2011, com 7,14%.
Fora dos holofotes, os sorrisos apagavam-se, mas o PCP não é de quebrar e por péssimo que corra o dia, ou neste caso, a noite eleitoral, estão proibidas palavras de desalento. "Os resultados obtidos ficam aquém do valor desejável. Mas, como cada gota de água é uma enchente no mar largo da esperança e do futuro, cada voto nesta candidatura tem a dimensão de projeto e um sentido de intervenção histórica, é um compromisso que adquire mais força nesta nossa tarefa de mudar a vida", afirmou Edgar Silva. O ex-padre e atual membro da comissão política do PCP acabou por obter uma vitória na sua região de origem, a Madeira, conquistando o segundo lugar na votação, com uns inéditos mais de 20 mil votos (nunca tinha conseguido ultrapassar os 7 mil). "É um sinal que, pela primeira vez, milhares de pessoas superaram preconceitos e votam na candidatura apoiada pelo PCP. As sementes foram lançadas e há um longo trabalho por fazer na construção de uma sociedade melhor", salientou.
Quando ao seu futuro político no PCP, uma questão que se começou a levantar quando foi escolhido para candidato presidencial, é com outro largo sorriso - acompanhado por outro de Jerónimo Sousa - que responde. "O que não faltam são tarefas para quem queira lutar pela transformação da vida e da história. A minha vida hoje, ou amanhã, será continuar a sonhar coisas impossíveis, partir para a transformação da história. O meu futuro é o futuro de um coletivo que luta por uma sociedade diferente", assinalou.
Já Jerónimo Sousa tinha também deixado claro que o partido assumia que os resultados tinham ficado "aquém", mas sem abalar a capacidade de resistência dos comunistas. "Assim como as vitórias não nos descansam, as vitórias também não nos desanimam", afiançou. E não resistiu a fazer uma provocação à candidato do BE, Marisa Matias: "Uma característica que temos é que trabalhamos muito, lutamos muito e nem sempre isso resulta em aumento do número de votos. Não é por acaso que é um partido que tem muito mais influência social e política do que eleitoral. Podíamos apresentar uma candidata assim mais engraçadinha, um discurso populista, seria fácil aumentar votação. Mas se alguém nos propuser trocar a forma séria com que estamos na política, para ter uma votação melhor, não contem connosco."
Questionado sobre se os fracos resultados poderiam fragilizar a posição do PCP no acordo da maioria parlamentar que apoia o governo, Jerónimo garantiu que o partido "mantém a sua postura" na defesa dos princípios que levaram à "posição conjunta" com o PS.
Nem Edgar Silva, nem Jerónimo Sousa, quiseram tocar na atribuição de responsabilidades ao PS, em relação aos resultados finais, mas os comentários da sala de apoiantes, quanto a isso, era transparentes. "Parte do eleitorado do PCP votou Sampaio da Nóvoa, para evitar a todo o custo que Maria de Belém passasse à segunda volta e grande parte da abstenção pode ter sido do eleitorado do PS, que este partido não foi capaz de mobilizar, por não ter assumido logo um único candidato", dizia um jovem. Ao que o DN apurou, a questão pode mesmo vir a ser discutida na próxima reunião da Comissão Política, na avaliação das eleições.