Um alerta para a elite liberal derrotada

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Quando se tem dois argumentos fortes, a maneira mais certa de perder um debate é acrescentar um terceiro. O argumento supérfluo do nosso tempo é, com muita frequência, o aviso da destruição económica.

A partir desta semana, temos de começar a pensar na possibilidade de o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, vir a ser simultaneamente reprovável e economicamente bem-sucedido, pelo menos por algum tempo. O instinto tem sido muitas vezes o de misturar decência política e eficiência económica, porque é isso que tem vindo a acontecer desde há muito tempo. Fortuitamente, os nossos sistemas abertos e liberais foram também os mais eficientes. Eles até originaram uma distribuição aceitável de rendimentos até há cerca de dez anos. No entanto, o período de 1989 a 2007 foi excecional, a história está repleta de ditadores economicamente bem-sucedidos e democratas liberais economicamente desastrosos.

Quer estejam em Davos nesta semana, procurando a reafirmação das vossas crenças profundamente arreigadas enquanto pontificam sobre o futuro do universo, quer estejam no Facebook ou no Twitter, expressando a vossa fúria sobre o rumo que o mundo está a levar, o meu conselho é que restrinjam o vosso foco. O brexit é terrível porque priva os jovens britânicos do direito de escolher onde viver, estudar e trabalhar. Priva-os de uma identidade europeia que muitos acreditavam possuir para sempre.

Se era isto o que vos preocupava em relação a uma votação pela saída, então foram loucos ao permitirem que a vossa campanha política tenha sido sequestrada pelos lobistas que não pararam de se lamentar sobre a perda do passaporte único europeu para os bancos. Esse foi o argumento supérfluo que fez perder o referendo do brexit. Se continuarem a cometer os mesmos erros nas batalhas que se vislumbram em 2017, os populistas vão ganhar em toda a linha.

O brexit foi uma experiência particularmente amarga. Não só as previsões económicas foram eleitoralmente desastrosas como algumas estavam erradas. Foi digno da parte de Andy Haldane, economista-chefe do Banco de Inglaterra, vir admitir as limitações da previsão económica. Mas ele é uma exceção. Conheço economistas que dizem agora que o brexit irá provocar uma recessão neste ano, uma vez que tal não aconteceu em 2016.

Um dos muitos fatores que os que fizeram as previsões se esqueceram de considerar foi o ambiente global. Uma queda vertiginosa da libra induzida pelo brexit poderia, em teoria, ter-se revelado perigosa. Mas esta não é a década de 1970. Estamos a viver numa era de excesso de liquidez global, o que torna uma queda da libra esterlina autolimitada. Os investidores asiáticos, por exemplo, estão a entrar no topo do mercado imobiliário de Londres, onde encontram preços deflacionados, que pagam com uma moeda desvalorizada.

A verdade é que a nossa capacidade de prever o futuro além do trimestre atual é limitada. Não conseguimos certamente prever o impacto económico de um acontecimento político complexo, como o brexit ou a eleição de um novo presidente dos EUA. Demasiados acontecimentos futuros imprevistos irão intrometer-se.

Também não podemos traduzir o resultado de uma sondagem numa probabilidade de eleição. As pessoas continuam a pedir-me para lhes dizer a probabilidade de Marine Le Pen, a líder da extrema-direita da Frente Nacional, vencer a presidência francesa. O problema é que a campanha eleitoral nem sequer começou. A resposta correta sobre a probabilidade de uma vitória de Le Pen é que eu não faço a mínima ideia. Nem eu nem ninguém.

A maldição do nosso tempo é a falsa matemática. Pense nisso como sendo as notícias falsas para intelectuais numericamente alfabetizados: é o abuso de estatísticas e modelos económicos para vender o preconceito político de cada um. A maior parte das vezes há um núcleo de verdade nessas previsões, como havia na previsão do Banco de Inglaterra sobre o que poderia acontecer após o brexit. A falsidade da matemática reside numa inferência exagerada. Os modelos económicos têm a sua utilidade, assim como as sondagens. Eles fornecem informações aos formuladores de políticas e aos mercados. Mas ninguém consegue ver através do nevoeiro do futuro.

A falsa matemática deu-nos, ao sistema liberal, a ilusão da certeza. Quando a ilusão se desfaz, ficamos com uma pergunta desconfortável: será possível que alguns demagogos populistas acabem por produzir uma melhor política económica do que os nossos amigos em Davos? Tomemos a Itália como exemplo. O euro tem sido um desastre para a economia. Se um populista vencer as eleições italianas, forçar a saída do euro e o incumprimento para com os investidores estrangeiros, não é pelo menos possível que eles estimulem assim uma verdadeira recuperação económica? Eu não sei a resposta; tenho certeza de que o atual regime não o fará.

Os populistas poderão ter sucesso simplesmente desfazendo os erros do sistema atual. Eles não terão sucesso a longo prazo. Mas podem ter sucesso antes de falharem. A mudança de sistema político e económico que estamos a atravessar constitui o ataque mais sério aos nossos valores de que tenho memória. Seria tolo negar que poderia ser possível, do ponto de vista do eleitor médio, que os odiosos populistas endireitem a economia quando a elite liberal não o conseguiu.

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