O regresso dos gémeos tóxicos das finanças europeias

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O tumulto nos mercados financeiros europeus durante a passada semana provocou uma divisão de águas. Aquilo a que assistimos não foi necessariamente o início de uma queda das ações no mercado ou um prenúncio incerto de uma recessão futura. O que vimos - pelo menos aqui na Europa - foi o regresso da crise financeira.

A versão número dois da crise da zona euro pode parecer menos assustadora do que a original em alguns aspetos, mas é pior noutros. As taxas de juro das dívidas soberanas não são tão elevadas como eram então. A zona euro tem agora um sistema de garantias montado. Os bancos têm baixos níveis de alavancagem.

Mas o sistema bancário não foi limpo, há uma abundância de credores zombies à solta e, ao contrário de 2010, vive-se um ambiente deflacionário. O Banco Central Europeu falhou a sua meta de inflação para quatro anos e é muito provável que a continue a falhar durante os próximos anos.

Os mercados estão a enviar-nos quatro mensagens específicas. A primeira e mais importante é o regresso dos gémeos tóxicos: a interação entre os bancos e as suas dívidas soberanas. A queda da semana passada nos preços das ações dos bancos coincidiu com um aumento das taxas de juro das dívidas na periferia da zona euro. O padrão é semelhante ao que aconteceu durante 2010-12. Os juros dos títulos das dívidas soberanas ainda não atingiram exatamente as mesmas alturas vertiginosas, embora os juros da dívida a 10 anos de Portugal estejam quase nos 4%.

A combinação de juros altos, políticas orçamentais expansionistas, dívidas dos setores público e privado persistentemente elevadas e baixas taxas de crescimento é uma situação claramente insustentável. A posição da Itália pode ser melhor do que a de Portugal, mas continua a não ser sustentável. Os juros da dívida italiana a 10 anos subiram para mais de 1,7% ; os alemães estão um pouco acima dos 0,2%. A diferença, ou o spread, é a medida do stress no sistema, o qual está novamente a aumentar.

Os mercados financeiros estão a dizer-nos que há uma perda de fé na promessa de Mario Draghi de 2012, quando este disse que faria "o que fosse preciso" para defender os Estados membros da zona euro contra um ataque especulativo. Com esta promessa, o presidente do BCE acabou com a primeira fase da crise da zona euro, mas ficou com um preço a pagar. A urgência em resolver os problemas estruturais subjacentes desapareceu de repente.

A segunda mensagem é que a união bancária da Europa falhou. A União Europeia acabou com uma união bancária que foi um compromisso inviável: uma supervisão bancária conjunta e um regime de resolução comum, mas sem seguro de depósitos e sem apoio do governo aos credores.

Não é por acaso que os preços das ações dos bancos entraram em colapso num momento em que a Diretiva de Recuperação e Resolução do Banco Europeu entrou em pleno vigor. A diretiva estabelece um mecanismo comum de bail-in para um banco em dificuldades. A Itália aplicou esta lei no ano passado para resgatar quatro bancos regionais, causando perdas aos detentores de obrigações. Os investidores de outros bancos receiam que também eles possam ser chamados a colaborar. Uma das razões pelas quais os investidores do Deutsche Bank começaram a entrar em pânico na semana passada foi a enorme quantidade de obrigações convertíveis contingentes emitidas pelo banco. Se a instituição começasse a ter problemas, estas seriam convertidas em ações, e imediatamente eliminadas se fosse iniciado um processo de resolução.

A terceira mensagem tem que ver com as expectativas do mercado de que uma futura inflação esteja definitivamente posta de parte. O BCE está a levar a sério as estimativas do mercado sobre a inflação futura - talvez até demasiado a sério. A sua medida favorita é uma taxa de inflação a um horizonte de cinco a 10 anos a partir de agora. Essa medida caiu na semana passada para o seu nível mais baixo, de pouco mais de 1,4%. Ou seja, está a dizer-nos que os mercados já não acreditam em que o BCE possa atingir a sua meta de inflação inferior a 2%, mesmo que a longo prazo.

A quarta mensagem é a de que os mercados receiam taxas de juros negativas. Isto porque a grande maioria dos seis mil bancos da Europa são instituições tradicionais de poupança e de crédito: ou seja, recebem depósitos e fazem empréstimos. Os bancos, normalmente, ajustam as taxas que oferecem aos seus aforradores de acordo com as taxas que o BCE lhes cobra, mantendo uma margem de lucro entre as duas. Mas se o BCE impuser uma taxa negativa aos bancos, o mecanismo deixa de funcionar. O mesmo aconteceria se os bancos impusessem taxas negativas nas contas de poupança, os pequenos aforradores levantariam o dinheiro e fechariam as contas. Os bancos poderiam, é claro, reduzir as suas reservas no Banco Central e emprestar esse dinheiro. Ou poderiam investir em títulos de risco. Mas essa perspetiva não é também necessariamente a que os acionistas dos bancos prefeririam, especialmente se não vissem boas oportunidades de crédito e de investimento.

Olhando para trás, o erro crasso cometido pelas autoridades europeias foi não terem conseguido limpar o sistema bancário em 2008, após o colapso do Lehman Bro-thers. Esse foi o pecado original. Posteriormente, muitos mais erros agravaram o problema: a austeridade orçamental pró-cíclica, as várias falhas de política do BCE e o fracasso na criação de uma união bancária adequada. O mais curioso é que cada uma dessas decisões foi, essencialmente, resultado da pressão exercida pelos políticos alemães.

( C ) 2016 The Financial Times Limited

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