Não dizer a verdade coloca em risco a Grécia e a Europa
E sconder a verdade está na base de muito do que está a acontecer de errado na Europa atualmente. Pode não ser a principal causa da crise da dívida grega, que está agora na sua enésima iteração. Mas é mais do que um mero fator contributivo.
Torna-se particularmente visível naqueles momentos em que outros falam a verdade, como a equipa do Fundo Monetário Internacional tem feito recentemente. No seu último estudo sobre a economia grega, afirma que "a dívida pública atingiu 179% [do produto interno bruto] no final de 2015 e é insustentável".
Os europeus não estão habituados a tal franqueza. Os alemães protestaram. A Comissão Europeia protestou. O mesmo fizeram os gregos. Todos eles querem manter o conto de fadas da sustentabilidade da dívida grega por um pouco mais de tempo.
Ficaram particularmente chocados com o facto de o FMI ter revelado o desacordo quando escreveu que "alguns diretores tinham opiniões diferentes sobre o caminho orçamental e a sustentabilidade da dívida". Estes eram os europeus, que agora estão em minoria no fundo.
Quando a administração Trump enviar os seus representantes para o conselho do FMI, espera-se que o clima se torne ainda mais hostil. A minha expectativa é que o FMI acabará por se retirar do programa grego, deixando os europeus livres para gerirem mal a permanente crise grega sozinhos.
Como é que chegámos aqui? Em julho de 2015, a UE e a Grécia acordaram um terceiro resgate. Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, comprometeu-se a gerar um superavit primário (antes do pagamento de juros) de 3,5% da produção económica a cada ano.
Nenhum país conseguiu manter tal compromisso por um período quase indefinido. A sustentabilidade da dívida grega foi assim baseada numa suposição obviamente impossível de cumprir. A Grécia não se limita a estar longe de alcançar um excedente primário de 3,5%. Nunca o conseguirá.
Outra verdade não dita é que a Alemanha jamais perdoará a dívida grega. Isto porque o Parlamento alemão não o vai aceitar e o número de deputados hostis ao alívio da dívida grega será ainda maior após as eleições de setembro.
Se o governo alemão quisesse aceitar medidas de alívio da dívida, conseguiria provavelmente reunir uma maioria parlamentar neste momento. A "grande coligação", liderada pela chanceler Angela Merkel, comanda cerca de 80% dos assentos no Bundestag. Mas com as eleições de setembro é natural que os Democratas Livres, o partido liberal, voltem ao Parlamento depois de terem falhado da última vez. O seu líder, Christian Lindner, disse na semana passada que a melhor maneira de avançar é a Grécia deixar a zona euro e a dívida grega ser perdoada posteriormente.
A Alternativa para a Alemanha, o partido antieuropeu de direita, não só quer a Grécia fora da zona euro como também a Alemanha. Juntos, estes dois partidos provavelmente representarão cerca de 20% a 25% dos deputados. Se adicionarmos o grande grupo de eurocéticos da União Democrata Cristã de Merkel e do seu partido irmão da Baviera, a União Social Cristã, não é difícil entender porque a janela para o alívio da dívida se vai fechar permanentemente neste outono.
O que é particularmente irritante nesta história é a cumplicidade dos próprios gregos. Não há bons e maus nesta história. Na primavera de 2015, nos meses que se seguiram à vitória eleitoral do Syriza, o governo de Tsipras adotou a posição de que um excedente orçamental de 3,5% é economicamente contraproducente e politicamente suicida.
No final, Tsipras optou por ceder às exigências europeias e aceitou a meta dos 3,5%. Em seguida, cometeu o erro catastrófico de alinhar com a UE contra o FMI, a única instituição que defendia o alívio da dívida. Foi um erro de cálculo político. Ele achava que a meta era maleável, como tantos outros indicadores europeus. E pensou que poderia sempre chegar a um acordo de compromisso com os europeus em matéria de reformas estruturais. Também calculou mal ao presumir que o FMI seria cúmplice de tal acordo.
Uma parte muito negligenciada do programa de resgate da Grécia é a de a Alemanha ter deixado a sua participação condicionada ao envolvimento do FMI. Isso deu poder ao fundo. Se o FMI sair agora da Grécia, uma de duas coisas irá acontecer: ou Atenas entra em incumprimento da sua dívida neste verão, e será forçada a sair da zona euro, ou Berlim vai aceitar o alívio da dívida apenas alguns meses antes das eleições. De qualquer maneira, esta é uma luta em que alguém sairá sempre derrotado.
A crise grega é apenas o exemplo mais flagrante do resultado de a verdade não ser dita. Há muitos outros. A adesão da Itália a uma união monetária com a Alemanha também é obviamente insustentável. No entanto, nenhum primeiro-ministro italiano desafiou até agora de maneira credível a forma como o sistema é administrado.
Quando a verdade morre, não devemos surpreender-nos com a substituição desta por factos alternativos.