No regresso de férias
1. O MUNDO
O Financial Times deixou ultimamente alguns alertas sobre uma possível nova bolha nos mercados financeiros. Num dos alertas recentes, e tomando como indicador o rácio entre o preço das acções e os respectivos dividendos, ajustado ao ciclo económico, refere que as acções americanas, por exemplo, estão no nível mais caro de sempre, com excepção dos meses antes da grande queda bolsista de 1929 e o estouro da bolha tecnológica de 2000. Mas acrescenta que as obrigações ainda estão mais caras, terminando com a interrogação se isto não será uma bolha.
Será? As bolhas especulativas são muito fáceis de prever e os seus sinais são bastante evidentes... depois de terem rebentado. Não é que os sinais não se manifestem visivelmente antes disso. O problema é que nunca se sabe quanto tempo (anos) uma bolha leva a encher até rebentar, ou, numa metáfora muito usada a propósito, quanto é que o elástico pode esticar até partir. E enquanto estica podem fazer-se ou perder-se fortunas.
As autoridades monetárias também receiam intervir cedo demais por receio de acabar responsabilizadas por um eventual estouro que a intervenção possa precipitar e pela esperança de que a bolha se esvazie através de uma "correcção de mercado". Acabam assim, muitas vezes, por deixar que as bolhas estourem quando tiverem de estourar, empenhando-se depois em amenizar as consequências.
Por isso, entre os sinais indiciadores de uma bolha e a sua explosão financeira podem passar anos, o que não favorece a credibilidade dos alertas precoces, assemelhando-os, se repetidos, à história de Pedro e o lobo.
Ninguém se atreve, por isso, a prever abertamente uma nova crise financeira, porque ninguém está disposto a arriscar a credibilidade contra um elástico que não se sabe quanto estica. Sobretudo sabendo que o principal factor de valorização dos activos financeiros é a fé (no futuro) e que é estulto contrapor razões à fé, seja ela qual for, pois esta tem razões que a razão desconhece e justifica-se a si própria.
Mas o que é certo é que os avisos de perigo vão sendo mais frequentes. Já em Outubro do ano passado o relatório de estabilidade financeira do FMI sinalizava, na sua linguagem semiencriptada, que "a valorização das acções parece crescentemente suportada por taxas de juro baixas". E a presidente da Fed americana também avisou recentemente que mais cedo ou mais tarde "os bem familiares riscos de optimismo excessivo e alavancagem" voltarão à superfície.
A tudo isto se podem contrapor outros sinais: há mais capital no sistema financeiro, a economia recupera, a inovação tecnológica fervilha, etc. Mas se eu fosse banqueiro central não dormiria lá muito descansado. Porque se uma nova crise financeira sobrevier num futuro próximo os bancos centrais já esgotaram o seu arsenal: os juros são negativos e os seus balanços já estão demasiado inchados. Nestas circunstâncias, uma crise financeira seria como se Jon Snow tivesse de enfrentar os White Walkers sem dragon glass nem aço valiriano.
2. O PAÍS
Por cá, o Verão vai chegando ao fim, com o país mais uma vez devastado pelos incêndios, tendo neste ano a triste agravante de terem trazido a morte a muitas dezenas de pessoas, perante muita descoordenação estatal temperada a lágrimas. Como também é hábito, o tema é acaloradamente discutido e muitas propostas cruzam os espaços de opinião. Mas, mal chegue o refrescamento do Outono, o tema voltará a ser arrefecido na arca do esquecimento até ao próximo Verão. Aí, os mesmos desesperos e a mesma ineficiência voltarão a manifestar-se e a ser discutidos, perante a renovada esperança de que chova mais cedo.
Deste Verão quente sobrou-nos, no entanto, a reencarnação do rei Lavrador. Mas enquanto o rei antigo desenvolveu a floresta para apoiar a expansão do país e a sua abertura ao exterior, o moderno avatar resolveu travar o seu uso para desenvolvimento de uma das suas principais indústrias exportadoras. Talvez ache agora que o país já se expandiu demais e que a indústria degrada o saudoso bucolismo da Pátria, ai Deus, e u é?
O mesmo, aliás, parecem pensar os sindicalistas comunistas que, desconfortados com outra indústria exportadora, a automóvel, parecem querer pôr a Autoeuropa no mesmo caminho a que levaram a fábrica da Opel. Que até o Bloco de Esquerda, partido anticapitalista, olhe com enorme apreensão para o que se passa no que considera ser "uma das maiores empresas portuguesas, uma das maiores exportadoras", mostra bem que o que está em jogo no conflito laboral da empresa, cujos trabalhadores haviam escapado ao controlo leninista da CGTP, é muito mais político do que económico.
Lenine, aliás, explicou muito bem do que se trata no seu manual de instruções Que Fazer?: "O movimento espontâneo da classe trabalhadora é capaz de criar (e inevitavelmente cria) apenas sindicalismo, e sindicalismo da classe trabalhadora é precisamente política burguesa da classe trabalhadora". Por isso, "é nossa tarefa, a tarefa dos representantes progressistas na democracia burguesa, dar à luta económica dos trabalhadores um carácter político".
E assim vamos, cantando e rindo...