Uma herança por cumprir

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Há dois dias, passeando num jardim da cidade de Vechta, no estado da Baixa Saxónia, deparei-me com um talhão de sepulturas de jovens militares. A maioria tinha sucumbido em abril de 1945. Alguns deles tinham 15 anos, a mesma idade de Helmut Kohl nessa altura, o último chanceler alemão que experimentou como adolescente-soldado os horrores das guerras europeias.

Kohl é, depois de Bismarck, o mais duradouro chanceler alemão. Ao contrário de Bismarck, que planeou estrategicamente a unificação alemã sob a égide da Prússia, concretizada em 1871, Kohl revelou-se sobretudo um tático brilhante. A grandeza de Kohl habita no mesmo lugar da fragilidade da sua herança. Com agilidade, Kohl compreendeu as possibilidades do seu tempo. Para a Alemanha, reunificada em 1990. Para uma Europa em construção, centrada a Ocidente, no eixo franco-alemão. Para o mundo, libertado por Gorbachev dos perigos da Guerra Fria.

À visão do essencial sacrificou Kohl uma mais conveniente administração dos instrumentos. A vertiginosa reunificação conduziu ao colapso da economia da antiga RDA e à necessidade de uma hercúlea transferência de recursos de oeste para leste, que ainda prossegue. A aliança com Mitterrand levou Kohl a apoiar o Tratado de Maastricht, com a sua defeituosa união monetária, como ficou patente com a crise do euro depois de 2009.

Seria injusto não reconhecer, contudo, que o problema da incompletude da herança de Kohl reside mais nas hesitações e nos erros dos seus herdeiros do que na ação do antigo chanceler. Apesar de quase silenciado pela doença desde 2008, Kohl nunca deixou de expressar a sua angústia pelo risco de colapso de uma Europa enfraquecida por uma gestão incompetente e mesquinha dos meios. Para ele, o objetivo central de uma Alemanha europeia, numa Europa pacífica, próspera e democrática, continua por cumprir.

*Professor universitário

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