O preconceito antifederal pode matar

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"É mais fácil partir um átomo do que um preconceito!" Lembrei-me desta frase de Albert Einstein ao ler o trabalho de João Pedro Henriques e Paula Sá, no DN de ontem, sobre a recusa de uma solução federal para a Europa, por parte de algumas conhecidas figuras políticas nacionais. Também na imprensa alemã e no resto da Europa se discutem os novos caminhos para a UE, depois do brexit. Com algumas escassas exceções, o federalismo de que se fala, equiparado com um "super Estado", é um papão, que não reflete a verdade objetiva e intelectual do conceito de federalismo, mas apenas a perigosa ignorância de quem condena o que desconhece. O federalismo moderno, que nasceu nos EUA com a Constituição de Filadélfia, elaborada em 1787, e se estendeu para todos os continentes, nem sempre com idêntico sucesso, é um sistema alargado de democracia representativa, uma república de repúblicas, com uma clara delimitação constitucional de competências entre os governos nacionais e o governo federal. O federalismo respeita e exige a separação de poderes, a soberania dos povos e Estados, traduzida em eleições livres, e o Estado de direito. O federalismo é uma complexa construção política e económica, baseada, contudo, em princípios que todos podem compreender. O federalismo permite uma partilha progressiva, parcial e limitada de competências soberanas, livremente transferidas pelos Estados membros da federação para o governo comum. Na maioria dos assuntos, da educação à justiça penal, é desejável que os Estados nacionais mantenham as suas prerrogativas, bem como a sua supremacia orçamental. Manifestamente, a retorcida caranguejola institucional e jurídica que é hoje a UE não é genuinamente federal. Contudo, os antifederalistas esquecem um detalhe que pode ser mortal. Os países da UE que integram a zona euro partilham uma competência vital, a soberania monetária. Muitos regimes federais passaram décadas até criarem a sua moeda comum e o seu banco central (o Fed americano só existe desde 1913). Os antifederalistas europeus, que trazem euros nas carteiras, esquecem que já vivem, desde 1999-2002, num federalismo monetário que, sem a legitimidade democrática e constitucional do verdadeiro federalismo, se transformou numa máquina de hegemonia económica e de usurpação política dos países mais poderosos sobre os mais frágeis. O anómalo federalismo europeu começou pelo telhado da moeda comum e do BCE. A zona euro continua à espera de alicerces e paredes. Com o preconceito a continuar ao leme dos destinos europeus, a moeda comum acabará por se desmoronar por cima das nossas cabeças. Nesse caso, talvez as falésias de Dover sejam, paradoxalmente, o sítio mais seguro para se observar a assustadora e caótica fragmentação de um projeto continental de paz e prosperidade.

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