A porta giratória
A decisão da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque de aceitar emprego numa empresa financeira, a Arrow Global, pode ser analisada sob três ângulos. O primeiro é legal. Consiste em saber se o artigo 5.º da Lei n.º 64/93 de 26 de agosto, sobre o Regime de Incompatibilidades dos Titulares de Cargos Políticos, foi ou não infringido. Trata-se de confirmar se essa empresa beneficiou, ou não, de "incentivos financeiros" por parte do Ministério das Finanças, no exercício da anterior titular. Em caso afirmativo, a referida lei obriga a manter um período de nojo de três anos. O segundo ângulo de análise é ético. Como Kant nos ensinou, a moralidade consiste numa adesão íntima e amorosa da vontade à norma (enquanto a legalidade se limita a uma conformidade exterior e verificável da ação à norma). Isso significa que, em política, só se pode falar em ética num sentido aproximado, e não estrito. Por exemplo, se o período de nojo de três anos fosse respeitado em geral, mesmo sem as condições que a lei enuncia, isso seria um sinal positivo de adesão prudente ao espírito da norma, que visa impedir a porta giratória entre interesses privados poderosos e representantes do interesse público. Finalmente, o último ângulo, que é o político. A Arrow Global é uma empresa pertencente à categoria dos "fundos abutres" (vulture funds), instituições que representam no sistema financeiro o mesmo papel que os animais necrófagos desempenham nos ecossistemas. Uns vivem de dívidas e ativos tóxicos. Outros de carne morta. Função higiénica, mas pouco nobre. Nenhum exército ou clube escolheu o abutre ou a hiena para seu símbolo. Preferem-se águias e leões. Sobretudo quando esses abutres esvoaçam sobre os restos do BES e do Banif. Não será ilegal. Mas não é bom, nem bonito de se ver.