Os tribunais agora têm medo dos jornais?

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Com espanto talvez exagerado mas com total legitimidade democrática, a imprensa e uma série de comentadores criticaram a juíza Joana Ferrer pelo tratamento dado à apresentadora de televisão Bárbara Guimarães, no julgamento sobre violência doméstica dirimido com Manuel Maria Carrilho, antigo ministro da Cultura.

Um trabalho aqui no Diário de Notícias dava conta da posição da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas a "expressar publicamente a sua preocupação" por supostas declarações de Joana Ferrer, durante o interrogatório a Bárbara Guimarães, revelarem "a persistência de pré-juízos desconformes com o legalmente estipulado sobre o modo de agir com vítimas de violência doméstica".

Em causa estaria a crítica da juíza à apresentadora por, quando ela foi alegadamente vítima de agressões físicas ou psicológicas do marido, não ter apresentado queixa. Por outro lado, parece que Joana Ferrer tratou Bárbara de forma informal ao passo que, quando se dirigiu a Carrilho, o tratou por um supostamente reverencial "professor", o que aparentava uma discriminação.

A condenação geral na opinião publicada, um pedido de afastamento da juíza apresentado pelos advogados de Bárbara Guimarães e uns artigos a acusá-la (!?) de germanofilia levaram Joana Ferrer a pedir escusa do processo, decisão que o Tribunal da Relação poderá vir, ou não, a confirmar.

Não me lembro de alguma vez na nossa democracia a imprensa ter provocado, direta ou indiretamente, a substituição de um juiz .

Só para referir casos extremos: nem Rui Teixeira no processo Casa Pia nem Carlos Alexandre no caso Sócrates, apesar de intensamente criticados, apesar de terem tomado posições muito polémicas e juridicamente discutíveis, estiveram numa situação em que a independência do seu cargo não lhes desse a armadura necessária e suficiente para continuarem a conduzir esses processos. Sempre foi assim...

A originalidade desta situação não está, portanto, nas críticas feitas à juíza que, diga-se, no que é importante, parecem fazer sentido. A originalidade desta situação está no facto de um movimento na opinião pública, liderado pelos jornais, ter, se Joana Ferrer se afastar, obtido uma alteração espetacular na condução do processo.

O meu coração e o meu cérebro dividem-se: por um lado, se esta pressão sobre o tribunal impediu uma injustiça, ainda bem que aconteceu; por outro lado, se agora os tribunais começarem a funcionar ao sabor imediatista da moral das elites com influência nos jornais, então estamos a presenciar o início de uma catástrofe.

Não tenho certezas sobre isto, mas tenho um bocado de medo...

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