O PSD e o candidato CM

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Consistência ideológica não é propriamente uma característica do PSD. Nunca foi. O seu crescimento e consolidação são fruto de um cocktail difuso de convicções e modos de vida de uma classe média de funcionários públicos e de pequenos empreendedores, de reação a ideologias coletivizantes e de lideranças fortes e bem preparadas. As primeiras vitórias eleitorais, Sá Carneiro e a sua implantação autárquica (em parte herdada), cimentaram o poder do partido e a sua posição ímpar na sociedade portuguesa. A sua primeira designação, Partido Popular Democrático, definia-o bem na altura em que nasceu e ao longo da sua história.

A falta de solidez ideológica chega ao limite de ser posicionado como um partido de centro-direita com o nome de Partido Social Democrata; é difícil vislumbrar maior contrassenso. Mas a contradição em que tem vivido está longe de se resumir ao nome e ao seu suposto posicionamento no espectro ideológico e partidário. Dentro do PSD há gente que se declara de direita e outra de esquerda sem que isso pareça trazer qualquer espécie de engulho (a quem quer que seja). E isto chega a ex-líderes. Ferreira Leite indigna-se de cada vez que dizem que o PSD é de direita e estou certo de que Durão Barroso se sentiria insultado se lhe dissessem que tinha liderado um partido de esquerda (para lá do MRPP).

Mas por muita plasticidade ideológica e programática que o caracterize, por muito diferentes que as convicções dos líderes tenham ao longo dos tempos sido, nunca o PSD deixou de ser um partido com valores democráticos sólidos. Nunca cedeu ao populismo desenfreado ou ao racismo disfarçado. Passos Coelho não é exceção.

A ninguém escapa, porém, o desnorte que hoje se vive no PSD. Vai muito para lá das fracas perspetivas de chegar ao poder a breve trecho, muito para lá da não chegada do diabo. Não há estratégia, não há um discurso coerente, não há, sobretudo, suficiente gente de qualidade, gente capaz. O PSD tem demasiadas pessoas em cargos importantes que apenas conhece a realidade do jotismo e do aparelhismo. Homens e mulheres que só conhecem a luta do poder pelo poder, que olham para o poder como um fim em si mesmo e não como um instrumento. Torna-se assim um terreno fértil para o aparecimento de pessoas e correntes que pareçam garantir sucessos eleitorais a curto prazo, mesmo que não tenham qualquer tipo de escrúpulos e defendam, por convicção ou pura conveniência, soluções completamente antagónicas a valores que temos como firmes na nossa comunidade e que sempre foram os do PSD.

E aqui entra o candidato do partido à Câmara de Loures e as suas declarações sobre a comunidade cigana, distribuição de subsídios e penas. Afirmações racistas, generalizações perigosas, populismo evidente. Tenho a certeza de que nenhum ex-líder do PSD hesitaria um segundo em retirar o apoio ao candidato André Ventura mal lesse uma das suas entrevistas. Mais, estou absolutamente seguro de que jamais o PSD de sempre chegaria a propor um candidato com as posições e a postura pública desse indivíduo e muito menos o teria como membro do seu Conselho Nacional. O PSD sempre foi um partido popular, nunca um partido populista.

Há problemas com gente da comunidade cigana, com a sua integração na comunidade, com o respeito de parte dessa comunidade por valores que consideramos essenciais? Claro. Há problemas na concessão do RSI e outros subsídios estatais e abusos? Sem dúvida. Há penas que parecem leves face aos crimes? Sim. Estes problemas devem ser discutidos? Obviamente. Mas uma das essências do discurso populista é pegar em partes dos problemas e criar um assunto. É enunciar soluções simplistas para problemas complicados. É manipular os sentimentos de pessoas que vivem com imensas dificuldades e apontar-lhes culpados diretos. É dividir entre bons e maus. É explorar o ressentimento acumulado. Colocar os problemas da forma como foram colocados e no contexto de uma campanha eleitoral não visa resolvê-los ou sequer refletir sobre eles, tem como objetivo apelar aos piores sentimentos com um fito meramente eleitoralista.

Os dirigentes do PSD não podem fingir que não conhecem o cidadão que recitou o catecismo populista e demais disparates. Não são novos, longe disso. Basta ter visto uma ou duas vezes os seus comentários na Correio da Manhã TV ou os artigos no Correio da Manhã. O que disse na entrevista é apenas um pequeno exemplo das suas intervenções. Ele é uma espécie de símbolo do comentário típico do CM, um verdadeiro produto daquela escola.

O CM tem ocupado na sociedade portuguesa o papel que muitos partidos por essa Europa têm representado. O desprezo pelos mais básicos direitos de personalidade, a justiça popular caceteira, a cultura do medo do outro, o discurso populista que tem surgido como solução para os problemas que a Europa e o mundo vivem não têm tido reflexo no nosso sistema partidário. Mas basta andar atento para perceber que há franjas da população a que esse discurso agrada. As sementes do diabo que o CM tão afanosamente rega têm criado o clima ideal para o aparecimento de um protagonista que carregue as suas miseráveis e perigosas bandeiras.

Não será André Ventura o tal protagonista, mas ele é sem dúvida o primeiro candidato Correio da Manhã.

Era evidente que mais cedo ou mais tarde iria surgir um candidato Correio da Manhã, o que choca e preocupa é que seja o PSD a albergá-lo.

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