O blá-blá-blá dos políticos que amam o interior de Portugal

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A ideia de que o interior precisa de uma descriminação positiva para travar a desertificação está em todos os programas políticos dos partidos que têm assento parlamentar. Não há, aliás, campanha que passe por Almeida ou por outro lugar qualquer longe das grandes cidades do litoral que não prometa mundos e fundos em troca do voto. Depois o tempo passa e os governos, sejam de direita ou de esquerda, fecham maternidades, balcões dos CTT - mesmo antes da privatização -, escolas, tribunais, repartições disto e daquilo e, agora, balcões da Caixa Geral de Depósitos. Fecha tudo e ficam abertos os cafés, até ao dia em que já não há gente para ir aos cafés e até os cafés fecham. Nesta luta dura que o poder político faz contra a desertificação do interior, até aldeias já conseguiram fechar. É uma grande vitória!

A ironia com que procuro chamar à atenção para a maior derrota coletiva do nosso país ganha relevância num momento em que a esquerda (PCP e Bloco) deixou de estar virgem na culpa que começa sempre em quem tem o poder de decidir. Até aqui, comunistas e bloquistas podiam apontar o dedo ao arco do poder (PS, PSD e CDS) pelas decisões que foram tomando ao longo de décadas e que empurraram as pessoas do interior para um litoral superlotado. Espera-se que dentro de duas décadas, 80% dos portugueses vivam no litoral.

Os partidos que apoiam o atual governo não podem fazer discursos contra o encerramento de balcões da CGD no interior e depois encolher os ombros, como quem diz que nada podem fazer. Isto não vai lá com debates no Parlamento em que toda a gente pode bater com a mão no peito e atirar culpas para o vizinho do lado. Podem tirar coelhos da cartola e anunciar balcões nas juntas de freguesia, o mal está feito e não começou nas dependências bancárias, mas também passa por aqui.

Na verdade, a capitalização da Caixa negociada com as instituições europeias pressupõe um plano de negócios que implica uma reestruturação com menos duas mil pessoas e menos 180 balcões até 2020. Sim, há um governo que negociou este plano, mas também há partidos que apoiam este governo no Parlamento. Não podem lavar as mãos como Pilatos.

Pode-se dizer que ninguém precisa de sair de Almeida, de Silvares, de Febres, de Pousos, de Constância ou das Lajes do Pico por ficar sem dependência da CGD. É verdade, não será por isso. Mas se nestes como em muitos outros locais também já não há escola primária, balcão dos CTT, repartição pública ou outra coisa qualquer que tanta falta faz a quem vive em Lisboa ou no Porto, por que razão as pessoas haverão de insistir e ficar a viver no fim do mundo? E, já agora, se tudo lhes tiram, por que raio têm elas de continuar a pagar impostos para serviços que não lhes fornecem? E porque é essas pessoas do interior são chamadas a pagar com os seus impostos uma reestruturação da banca que agora até consideram que não faz falta nenhuma em muitas zonas do interior?

Dá-se até o caso de o atual governo ter anunciado, vai para seis meses, um plano brilhante para combater a desertificação. A sigla (PNCT) até parece nome de partido, com 164 medidas. Nessa altura, o ministro anunciou que haverá "diálogo com as entidades locais para detetar as necessidades" e acrescentou que "a palavra local será decisiva" quanto à reabertura de serviços. Ou eu estou a ouvir mal com a idade ou ia jurar que a população de Almeida e o seu autarca já fizeram ouvir a sua voz no sentido de conseguirem reabrir a dependência da Caixa Geral de Depósitos que ontem fechou.

Não desqualifico o programa com que o governo pretende dar cuidados paliativos ao interior e que resulta de um trabalho sério coordenado por Helena Freitas, mas é impossível não notar que, entre boas ideias e palavras bonitas, o que persiste é a decisão de encerrar, encerrar, encerrar...

Não é de agora, mas agora é preciso lembrar, porque agora já ninguém pode dizer que não tem culpa. Quando já toda a gente pôde fazer a diferença, não se encontra quem a tenha feito.

P.S. Em breve pesquisa que fiz para saber o que se andou a escrever nos últimos tempos sobre desertificação, encontrei um belo texto de Miguel Tamen no Observador, a que ele chamou "A favor da desertificação do interior" e que termina assim: "(...) enquanto os habitantes do litoral se entretêm a imaginar como devia ser o interior, o interior vai-se movimentando com placidez em direcção ao litoral. Cada metro que conquista reduz melhor a área disponível para a miséria humana, e torna mais real a possibilidade de a orla costeira, cheia de gente, vir um dia a partir-se como uma bolacha de água e sal".

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