Nem tudo o que parece Trump é
Um antigo primeiro-ministro norueguês travado no aeroporto de Washington e a culpa é de Donald Trump. Um juiz conservador nomeado para o Supremo Tribunal e a escolha só podia ser de Trump. Corte no financiamento às ONG que apoiam o aborto e, claro, outra coisa não seria de esperar de Trump como presidente dos Estados Unidos. Ora bem, nem tudo o que parece Trump é. A começar pelas três situações descritas linhas acima.
Sim, é verdade que o novo presidente americano é uma anomalia no sistema. Primeiro do que tudo, porque nunca teve qualquer cargo político até vencer as eleições de 8 de novembro, derrotando a ultra-experiente Hillary Clinton. Segundo, porque é difícil perceber como é que um antigo democrata se tornou o candidato oficial do Partido Republicano, a ponto de vencer mais de uma dúzia de pesos-pesados, de Jeb Bush a Ted Cruz; terceiro, porque ainda está por descobrir por trás do estilo arrogante o que resta do magnata nova-iorquino de toda a vida e que percentagem corresponde à verdade nesta sua nova pele de campeão dos deserdados da América profunda.
Sim, também é verdade que afinal o Trump das primárias republicanas se manteve igual quando concorria já à Casa Branca, que o Trump eleito presidente nada mudou em relação ao que era durante a campanha e que o Trump pós-20 de janeiro, data da tomada de posse, permanece bem reconhecível.
O homem é assim e quem votou nele não pode dizer que não sabia. Já aos outros, os que nunca votariam nele, resta-lhes para já aceitar o resultado das urnas, protestar o máximo que puderem e rezar para que os congressistas republicanos digam um dia que é demais, que chega de trumpices, e que está na hora de tentar a destituição (difícil, porque é preciso um crime, não basta exibir falta de preparação).
Voltemos aos tais três maus exemplos de trumpices. No caso de Kjell Magne Bondevik, que ontem correu nas páginas online dos jornais, foi com base numa lei dos tempos do presidente Barack Obama que foi travado no aeroporto Dulles. Como dirigente da organização de defesa dos direitos humanos Oslo Center visitou o Irão em 2014 e agora teve de explicar ao guarda fronteiriço americano o porquê do carimbo no passaporte. A única responsabilidade de Trump seria quando muito ter criado um tal clima de suspeição generalizada com o seu banimento dos cidadãos de sete países islâmicos que o polícia nem reparou no passaporte diplomático. Já no caso da nomeação de Neil Gorsush para o equivalente ao nosso Tribunal Constitucional, o perfil de "originalista" sempre foi o desejado pelo Partido Republicano, por corresponder ao que era Antonin Scalia, o juiz conservador que morreu em fevereiro do ano passado e que Obama foi impedido de substituir por um liberal. É demais acusar Trump de ser o autor exclusivo da escolha de um juiz que defende que a Constituição é para ser levada à letra, com respeito pela ideia original dos criadores do país, quando na tomada de posse o presidente nem homenageou os Pais Fundadores. E, sobre o caso das ONG, não fez mais do que repetir o corte de Ronald Reagan em 1985 e desde então aplicado por todos os presidentes republicanos (e desfeito por todos os democratas).
Das críticas aos aliados da NATO para que deixem de poupar na defesa à custa dos Estados Unidos (foi Obama quem primeiro falou dos 2% de PIB a cumprir) ao prometido muro na fronteira com o México (que em boa parte já existe), não faltam ações de Trump que ou são legado de outros presidentes ou marca ideológica do seu partido. Confundir tudo não ajuda a perceber a nova América.