A "bomba atómica" é para Obama usar

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Juiz morto, juiz posto. E é isso que Barack Obama tem de fazer agora, ou seja, nomear para o Supremo Tribunal o substituto de Antonin Scalia. Argumentam os republicanos que deveria ser o próximo presidente a fazê-lo, mas argumentam mal. Faltam nove meses para as eleições e 11 ainda para a posse. E se os americanos criaram a expressão lame duck (pato manco) para designar um presidente que está no cargo mas na realidade já não tem legitimidade para grandes decisões, isso quando muito aplica-se no período que vai do dia de voto ao da tomada de posse, quando já há sucessor. E mesmo assim basta voltar até 1992 e ver como George Bush pai, embora tendo perdido as presidenciais para Bill Clinton, ordenou o desembarque de marines na Somália.

Scalia, o primeiro italo-americano no Supremo Tribunal, era um bastião do conservadorismo. Ajudava a garantir a maioria conservadora de 5-4 que se evidenciara nas decisões recentes do equivalente ao nosso Tribunal Constitucional. Por isso o nervosismo do Partido Republicano, receoso de que Obama nomeie um liberal e inverta tudo. No fundo, nomear alguém para o Supremo é a "bomba atómica" dos presidentes americanos se quisermos comparar com o sistema português. Obama nunca poderá dissolver o Congresso, como Marcelo Rebelo de Sousa um dia talvez venha a fazer com a Assembleia, mas quando escolhe um juiz para interpretar a Constituição deixa uma marca política duradoura.

Desde Ronald Reagan que nenhum presidente tinha a oportunidade de nomear três juízes. O cargo é vitalício. Dele só se sai por morte ou vontade própria. Assim, Obama tem uma oportunidade tremenda de deixar como legado um Supremo mais liberal, o que pode ter consequências desde o sistema de saúde ao aquecimento global, passando pelo aborto, a pena de morte e Wall Street. É que a Constituição Americana, em vigor desde 1789 e a mais antiga no mundo, está muito sujeita a interpretações: afinal já sustentou a escravatura e depois a ilegalizou.

Ao mesmo tempo, a separação de poderes é o segredo da vitalidade da democracia americana. Até Franklin Roosevelt, de popularidade esmagadora, quando ameaçou os conservadores que vetavam o New Deal com alargar de nove para 15 juízes o Supremo, foi criticado por setores do Partido Democrata. E na realidade qualquer juiz pode surpreender, como John Roberts, o presidente do Supremo nomeado por George Bush filho, que algumas vezes já decidiu a favor de Obama.

Cabe ao Senado, de maioria republicana, aprovar o sucessor de Scalia. Se Obama escolher alguém de grande prestígio, a nomeação será confirmada, caso contrário a imagem dos republicanos como extremistas sai reforçada, o que não ajudará o seu candidato em novembro.

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