A Europa do Reino Unido a Cabo Verde

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A futura relação da UE com o Reino Unido podia ser o começo de um modelo de relação entre a Europa e países terceiros, em vez de um divórcio feio ou mesmo o começo da desagregação. Mas para isso é necessária criatividade, geoestratégia e otimismo, esse perigo.

Na década de 1990, quando a história tinha acabado, as democracias liberais eram o futuro universal e a União Europeia o sonho de todos os povos europeus e do Mediterrâneo, o então presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi, desenvolveu a teoria do ring of friends. Face ao desejo generalizado dos povos a leste e a sul de entrar na União Europeia, e face à impossibilidade de acomodar tamanha vontade, Prodi defendia que a Europa deveria oferecer aquilo que definiu como Everything but the institutions. Estes países não podiam entrar na Europa, fosse porque não cabiam na definição (não eram europeus); não cabiam nos critérios (nunca foi assumido, mas ser maioritariamente muçulmano e grande - a Bósnia não conta porque é pequena, e ainda assim, veremos... - é um problema); ou simplesmente porque se considerava que mais alargamentos tornariam o "projeto europeu" inviável (razão pela qual o Reino Unido foi sempre o maior entusiasta da entrada da Turquia), mas tudo, menos as instituições, garantiria, teorizava-se, que a Europa teria à sua volta um anel de amigos. Povos que não fariam parte da UE, mas que estavam dispostos a fazer o necessário para quase participar. Designadamente democratizar-se, liberalizar as suas economias, garantir o Estado de direito, aceitar o livre comércio, respeitar o essencial das regras europeias. Em troca teriam acesso aos mercados, aos programas europeus, aos fundos (eventualmente), às liberdades.

Na década de 1990 pensava-se que uma proposta assim poderia entusiasmar os povos a leste e a sul. Olhando para o que se passa hoje em dia, quando dentro da própria Europa há dúvidas sobre as vantagens da União, é possível escolher um de dois ou três caminhos viáveis: aprofundar e fechar a Europa, deixando o Reino Unido bem de fora; temer a desagregação e reagir como uma entidade ameaçada; ou ter uma Europa a várias velocidades internas e uma proposta atraente para quem não pode ou não quer entrar. Muito provavelmente o Reino Unido sairá mesmo, mas Cabo Verde, que não pode, gostaria de entrar. Marrocos gostaria de estar mais perto. E em tempos a Turquia também quis uma aproximação. Assim como a Ucrânia e até a Bielorrússia. Nenhum destes países pode fazer parte da UE e nalguns casos estão hoje mais longe do que já estiveram, mas se lhes pudéssemos oferecer uma perspetiva de relação próxima e mutuamente benéfica, poderíamos ser mais influentes a atrativos do que temos sido nas fronteiras à nossa volta. Incluindo no Reino Unido. Não parece fácil, é certo, mas a história ainda não acabou.

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