Vamos esconder as mulheres no Carnaval?

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Em 2007, Asmaa Abdol-Hamid candidatou-se ao parlamento dinamarquês. Usava hijab, que lhe escondia os cabelos e moldava a cara, vestes longas e luvas compridas. Apesar de tão blindada, proibia ainda qualquer contacto com os colegas de partido. Nem um aperto de mão. E tinha está frase honesta: "Eu não gosto da palavra integração."

Que partido medieval apoiava a criatura? A Aliança Vermelha e Verde, sociais-democratas de esquerda, trotskistas e ecologistas. Logo nessa altura, escrevi sobre a aberração. Muitos marcham só pelas ideias, mas alguns tem alguma história e juntam páginas lidas com vida vivida.

No início da década de 70, fui trotskista, militante da Ligue Communiste, francesa e, nessa altura, a mais influente organização europeia de extrema-esquerda. Fez algumas asneiras mas teve um mérito imenso: foi das organizações políticas que mais soube perceber o movimento feminista e contribuiu como poucas para os direitos das mulheres - certamente o mais fundo contributo da Europa moderna para a civilização. Em 2007, pensei como as minhas camaradas de 1971 enxotariam Asmaa do convívio de civilizados.

Em janeiro de 2015, nos liceus franceses houve um minuto de silêncio contra o ataque bárbaro a um jornal. Este tinha desenhado Maomé; e, em nome de Maomé, mataram-se 11 pessoas. No minuto de silêncio, em França, houve 400 incidentes provocados por estudantes que achavam que um desenho de Maomé justificava 11 mortos.

Meses depois, com os atentados de Paris, em novembro, novo minuto de silêncio nos liceus. Os psicólogos da Educação Nacional francesa fizeram este aviso: "Os professores não devem forçar todas as crianças e jovens a cumprir o minuto de silêncio, é preciso que digam àqueles que não queiram fazer o minuto de silêncio que não são obrigados e que podem fazer outra coisa." O quê? Manguitos aos fuzilados do Batclan?

De facto, os incidentes já não foram relatados, porque os jornais se cortaram, porque os conselhos dos psicólogos suavizaram a coisa, mas, sobretudo, porque estar numa esplanada e levar com um tiro na testa já foi percebido como uma coisa má, até por um jovem francês. Se, amanhã, os terroristas islâmicos fizerem o favor de entrar num berçário em Lyon e matarem 36 bebés atirando-os contra as paredes, o currículo de cidadania nos liceus franceses será, enfim, entendido por todos.

Entretanto, chegámos ao fim-de-ano em Colónia, Zurique e festas avulsas na Suécia. Tudo sabido a conta-gotas e com este medo que cresce: oh, como vai ser no Carnaval?... É um medo legítimo.

E nem tanto pelos energúmenos das festas. Destes, qualquer mulher sem taipais a andar nos passeios vizinhos à estação central de comboios de Bruxelas, capital da Europa, qualquer dia de semana, o sabe, é o seu quotidiano. Mas "o" problema não são eles.

O problema é a Europa. Esta é como os 400 dos incidentes do minuto de silêncio e os camaradas de Asmaa Abdol-Hamid: é estúpida. A Europa suicida-se devagarinho, até ser educada pelos radicais islâmicos que talvez lhe façam o tal favor de atirar bebés contra as paredes. Aí, talvez entenda. Mas, aí, talvez seja tarde.

A tempo, seria desprezar Asmaa; a tempo seria chamar os pais dos 400 que insultaram o minuto de silêncio e tirar-lhe os apoios sociais; a tempo seria expulsar de imediato os agressores expulsáveis.

A tempo, em nome dos europeus que cá estão e dos que chegam para se tornarem europeus, era dizer: por cá gostamos da palavra integração. E é assim, ponto.

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