Fado, futebol, Fátima

Numa visão simplicista sobre Portugal, o que realmente diferencia as terras lusas de outros países é Amália ou Ana Moura, Eusébio ou Ronaldo, e sempre os três pastorinhos
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A crise em Portugal acabou. Esta é a mensagem que o governo tenta transmitir aos investidores internacionais. Para ganhar credibilidade, o Ministério das Finanças está a enviar os melhores colaboradores ao Canadá e aos Estados Unidos para convencer as agências de rating de que Portugal já não é lixo. Imagino os altos funcionários portugueses a chegar a Nova Iorque ou a Toronto com malas e pens digitais cheias de estatísticas e previsões simpáticas, e também com algumas notas de rodapé para justificar a segunda dívida mais alta na União Europeia. Mas não sei se este esforço é realmente necessário. De facto, o governo não precisa de esperar pela próxima sentença dos senhores Fitch ou Moody"s como se fosse uma decisão de vida ou de morte. Basta simplesmente perguntar a um correspondente independente em Portugal como estão a correr as coisas. É muito provável que o jornalista responda: estão a correr mal. E isto significa ao mesmo tempo que em Portugal as coisas estão a correr melhor.

No mundo em que vivemos, são os acontecimentos menos bons que por norma despertam o interesse da imprensa internacional. Isto significa que um correspondente freelancer vive constantemente em contraciclo com o resto do mundo à sua volta. Durante a crise, em convívios com os meus amigos portugueses conversei muito sobre os efeitos da política de austeridade que todos nós sentíamos na pele. Mas quando eles perguntavam: e tu, como estás a safar-te? Eu respondia com um grande sorriso: a crise é a melhor coisa que me podia ter acontecido, nunca tive tanto trabalho como agora.

Embora a crise seja obviamente uma experiência não desejada, esta pode também representar um ponto de partida para fazer conhecer Portugal lá fora. Nos últimos anos, e graças à crise, o interesse de uma parte do público alemão pelos países do Sul da Europa aumentou. Este público queria ouvir ou ler a opinião do povo português, entender a complexidade da situação que se estava a viver e saber mais para lá dos dados da economia.

Hoje as coisas voltaram quase à normalidade, e a normalidade significa que Portugal deixa de ser notícia nos jornais, rádios e televisões estrangeiras. Uma colega nossa do The Wall Street Journal, que foi enviada como correspondente a Portugal no auge da crise em 2011, acabou de fechar o seu escritório em Lisboa e de se mudar para Frankfurt. Se o The Wall Street Journal já não acha necessário seguir a situação financeira portuguesa por perto, parece mesmo que a crise está perto do fim e que Portugal voltará a ser como antes: um país pacífico e um pouco esquecido no extremo ocidental do continente europeu.

Se a crise já não é tema, então a pergunta é: o que é que em Portugal desperta o interesse nos editores estrangeiros? A resposta faz lembrar um velho lema do Estado Novo: fado, futebol e Fátima. A visita do Papa Francisco no próximo fim de semana vai pôr Portugal no centro das atenções do mundo (católico); Ronaldo e a seleção portuguesa conseguiram, ao ganhar o último Europeu contra a França, um feito até agora único na história do futebol português, elevando a seleção ao novo patamar dos campeões; e uma nova geração de músicos está a transformar o fado numa música aberta ao mundo. Os nomes mudaram, o conteúdo é o mesmo.

Para ser justo, não vivi nos anos 1960 em Portugal, por isso não posso comparar os três "F" de ontem com os três "F" de hoje. O que me contaram é que o país do passado já não tem nada que ver com o país do presente. Acredito que sim.
No entanto, parece não ser apenas uma coincidência que a atual imagem de Portugal volte a ser associada ao fado, ao futebol e a Fátima. Uma razão pode ser a falta de imaginação e de conhecimento dos editores e dos jornalistas estrangeiros. A outra explicação poderá ser que, numa visão simplicista sobre Portugal, o que realmente diferencia as terras lusas de outros países é Amália ou Ana Moura, Eusébio ou Ronaldo, e sempre os três pastorinhos.

Jornalista alemão, a trabalhar em Portugal para Deutschlandfunk

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