Cultura: a pobreza cabimentada

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Os dirigentes dos organismos dependentes do Ministério da Cultura foram muito recentemente surpreendidos com as instruções da Direcção-Geral do Orçamento de cabimentarem entre 15 e 20 % das verbas destinadas à sua actividade. Creio que o mesmo sucedeu com todos os sectores do Estado, mas nenhum será tão frágil e pobre como o da Cultura. Sumariamente viram os seus orçamentos brutalmente amputados em quase 1/5 do total previsto. Quando os valores são por si só escassos, adivinhamos a brutalidade desta medida.

Por outro lado, por força da lei do Orçamento, a despesa não poderá ultrapassar a dotação executada no ano anterior. Por muitos milhões que se possa propagandear que a Cultura foi reforçada, nunca os poderia utilizar, pois o executado no ano passado é significativamente menor do estimado e plasmado no Orçamento Geral do Estado. Todos temos conhecimento dos travões à despesa em áreas como a Educação e a Saúde. Na Cultura não foi menor. Sobre isto acresçam-se os cabimentos agora divulgados. O quadro não poderia ser mais desolador. Permanecemos dentro da austeridade e ainda mais violenta. Mas o silêncio é incompreensivelmente esmagador, sobretudo da parte daqueles que passaram os últimos anos a denunciar a suborçamentação do sector Cultura.

No ano transacto, os cativos incidiram nos recursos humanos, este ano os cativos incidirão sobre a aquisição de bens e serviços. Fundamentalmente despesas com programação, em que se acresce a recuperação e conservação, para a área do património, mas ainda encargos de estrutura, como fornecedores que vão desde o abastecimento de energia á água, segurança, mas ainda aos criadores. A cumprir-se, vamos certamente assistir ao encerramento de equipamentos, algo que nunca foi permitido pelo governo dos anos de presença da troika entre nós, onde a preocupação de assegurar uma permanente oferta cultural prestada aos cidadão foi uma constante. Política em que tiveram papel de relevo os dirigentes dos organismos culturais e todos os seus colaboradores, numa resiliência exemplar.

Na área do património cultural a situação será ainda mais dramática, dado que a este cenário de cortes brutais se acresce a nova política de gratuitidade para os museus, monumentos e palácios que vai obrigar a uma redução superior a dois milhões de euros ( a ser ilusoriamente compensada pelo Fundo de Fomento Cultural). Lembrar que no final de 2015 a DGPC era uma instituição financeiramente sólida e parece hoje uma miragem longínqua. Não tenhamos dúvidas: a Cultura em 2016 foi uma desilusão, em 2017 vai simplesmente estagnar e retroceder. Haverá uma inversão com a aprovação do Decreto-Lei da Execução Orçamental muito em breve? Temo muito que não. A cultura nunca foi uma paixão, foi sempre, como um ano e pouco de governo demonstram, uma bandeira desfraldada, um simples adorno político.

Chegaremos muito em breve ao patamar orçamental abaixo do inimaginável. Nunca terá havido tão poucos meios disponibilizados para a Cultura. O tempo agora é o da simples sobrevivência. Dói-nos a todos muito.

Ex-diretor-geral do Património Cultural

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