A supremacia e a segurança

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A NATO foi o resultado lúcido da perceção de várias exigências, a manutenção do perigo embora com outra forma, e inauguração de um muro distante de todas as construções da cultura histórica europeia, temendo o retomar da violência entre o projeto soviético de hegemonia de Moscovo ao Atlântico, e o projeto preservador da liberdade do Atlântico até às fronteiras imperiais da Rússia. De facto foi por dezenas de anos o reconhecimento de que algumas potências não tinham perdido a Segunda Grande Guerra, mas que de facto nenhuma a tinha ganho. A Guerra Fria, como foi batizado o período que findou com a queda do Muro, foi fria, sem incidentes graves, no Norte do globo, mas armada e agressiva em várias outras latitudes. Assim como no Leste a supremacia foi da URSS invocando a democracia popular como legitimação política, no Ocidente foi a democracia da Declaração dos Direitos Humanos da ONU que legitimou uma defesa organizada com o reconhecimento da supremacia confiável dos EUA. Acontece que entre as declarações, ou talvez desabafos, com que imagina o futuro próximo desafiador, do eleito presidente dos EUA, se destaca a referência aos custos da NATO, ao dever de os seus protegidos membros não falharem à satisfação do financiamento que lhes cabe na repartição total, e tudo com a consequência de os EUA não continuarem a assegurar-lhe a segurança contratada, mas não paga. A questão talvez mais urgente, que o desabafo suscita, é saber se a segurança em vigor mantém a definição que inspirou a NATO ou se a evolução do globalismo que vai mudando a estrutura mundial, a seu juízo, dispensa a vigente definição do conceito estratégico da NATO, e se a crise económica e financeira que atingiu os seus membros tem para todos as mesmas dificuldades financeiras, isto é, se variaram as exigências da NATO ao mesmo tempo que as capacidades financeiras de alguns membros diminuíram. Porque, em qualquer das hipóteses, o primeiro dos problemas que se destaca não é o das contribuições financeiras, é se os EUA podem alterar as fronteiras de segurança ocidental que são ainda as definidas por eles como as suas, em relação às quais sempre tiveram supremacia, ou se, em seguida ao anúncio, reduzem a sua área de segurança, de influência e interesses. Isto tomando em consideração e meditando a observação, a rever, de Hilferding, no sentido, que passa a duvidoso, de que o capital se converteu em "conquistador no mundo" e que, na leitura de Luiz Bandeira, "este processo implicou o fortalecimento do poder do Estado, o aumento do Exército e da Marinha, e da burocracia em geral, e consolidou a solidariedade dos interesses do capital financeiro ou latifúndio". Não se trata de dar acolhimento à caracterização da proeminência americana com o sentido que Karl Kautsky deu ao imperialismo, cujo método das conquistas foi a guerra, como exigência do capital financeiro para a sua expansão. Trata-se de solidariedades de conceção do mundo e da vida, na definição ocidental expressa na sempre lembrada Carta da ONU, trata-se de ignorar sem visão, e por isso sem crítica, o outono ocidental, porque qualquer redefinição da segurança em recuo, que as circunstâncias que estamos a viver agudizem, começarão por restringir a área de influência e segurança dos próprios EUA, mesmo que a deriva para o Pacífico continue sem restrição imposta pelo espírito renovador que se anuncia. É exclusivamente nacional apagar, neste e em outros domínios, o legado de Obama, mas não é possível diminuir as áreas de segurança sem reformulação fundada do conceito estratégico em que viveu a NATO, incluindo considerações financeiras. Com isto não se dá justificação à falha de cobertura das responsabilidades assumidas pelos membros da NATO, crise que imitaria, reprovadamente se não fosse por incapacidade financeira, o que os EUA já exemplificaram no passado por exemplo com a UNESCO. Mas naquele caso não havia o facto de a crise financeira afligir os EUA, apenas o de não aceitar estar em organizações em que quem paga não manda e quem manda não paga. Agora, se as razões do conceito estratégico não mudarem, o que está em primeiro plano é a crise global financeira, em que os EUA tomam parte nas causas e nos efeitos, de modo que o interesse comum foi atingido por uma dificuldade de resposta que é de responsabilidade comum. O interesse comum é que tem de obrigar a redefinir a resposta possível comum, equitativa e só possível se o Ocidente da NATO mantiver a definição estratégica exigente dos seus membros em crise económica e financeira. Conta-se que, na crise em que avultaram as consequências do ambiente que rodeou a Primeira Guerra Mundial, um membro da administração americana, perguntado sobre se o seu país poderia não cumprir tratados assumidos, teria respondido - "depende", segundo narra Moniz Bandeira no seu importante estudo sobre o imperialismo dos EUA. Nesta infeliz circunstância em que o globo se encontra, e em que o imperialismo, se a palavra exprime bem o conceito, é financeiro, pode admitir algum recente iniciado nas responsabilidades governativas, que não há probabilidades de a segurança ser afetada por um conflito armado, que a estratégia financeira é a que está em vigor, e até que a "estratégia do saber", que as Forças Armadas dos EUA cultivam, pode não ser uma urgência. Em todo o caso talvez possam, os que a cultivam, lembrar que os conflitos armados começam frequentemente em consequência de acidentes banais. Por vezes com o efeito de dispensar, por extinção, a reformulação das dívidas, o que não parece a vantagem assumida por qualquer governo. Permanentemente, a segurança precisa de visão e resposta, tanto quanto possível clara e confiável.

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