O salto do coelho
Sumptuoso", disse Álvaro Siza Vieira à saída do Grand Palais onde foi ver, ainda em final de montagem, a exposição de Amadeo de Souza-Cardoso. Eduardo Souto de Moura confessou-se "inchado de orgulho". Ontem, as portas do palácio abriram-se para a inauguração oficial, com António Costa e mil convidados, e a partir de amanhã os visitantes vão poder encantar-se com as mais de 250 obras do pintor genial que tão cedo desapareceu. Um crítico francês usou os adjetivos "incandescente" e "inebriante" para classificar Amadeo. "É incrível imaginar que uma produção artística tão importante tenha caído no esquecimento", comentou o diretor científico do Grand Palais. Não é apenas uma questão de orgulho nacional, embora também o seja: Amadeo de Souza-Cardoso foi um homem na vanguarda do seu tempo, inclassificável entre as escolas artísticas que em Paris encontraram um viveiro de experiências e ousadias do início do século XX. E se hoje a sua obra ocupa um dos museus mais importantes da capital francesa, é bom não esquecer os dois anos de trabalho até se conseguir agendar a exposição. Foi preciso insistir muito, contrariar a desconfiança, provar a existência, fazer diplomacia a vários níveis até a Fundação Gulbenkian conseguir o reconhecimento desta obra deslumbrante, uma peça que faltava para compor a história da arte moderna. Helena de Freitas, a comissária da exposição, sabia o que tinha entre mãos e não se deixou desanimar com os obstáculos que lhe surgiram ao caminho. Amadeo, o pintor que trabalhava "como um animal", que tem obras em diferentes coleções mundiais, que conviveu com Modigliani e que trouxe o casal Delaunay a Portugal, foi finalmente internacionalizado no Grand Palais - onde tinha exposto em 1912. O impacto desta exposição será avaliado mais tarde, mas pode dizer-se desde já que a diplomacia cultural é uma das vertentes de que a diplomacia portuguesa não pode abdicar, e que não pode depender do empenho e do financiamento de entidades privadas. A cultura não pode ser aquela parte do orçamento para onde se deixa escapar umas migalhas, o etcétera a cortar em caso de problema. É o salto elegante e espantoso do coelho, como o título do quadro de Amadeo que cruzou o Atlântico, de Chicago para Paris.