Diclorodifeniltricloroetano

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Ele era o homem do leme, o dono disto tudo, o DDT, petit nom com que os mais espetaculares lambe-botas nacionais faziam a corte a Ricardo Salgado e hoje, fruto da amnésia e de uma tolerância extraordinárias, procuram apagar os vestígios das vénias que antes lhe faziam sem limites. Aqueles não eram gestos gratuitos ou inconsequentes. Em troca, esperavam sinecuras, um singelo aperto de mão numa cerimónia pública qualquer. Ah como isso era delicioso e importante! As portas que se abriam. A consequência desta viscosidade funcionava também a favor de Salgado, que se empoleirava nestes ombros dóceis para subir ainda e sempre mais alto. E no entanto, de DDT, símbolo de poder absoluto, Ricardo Salgado passou a pesticida, o famoso diclorodifeniltricloroetano - o genuíno DDT - que tudo matava, incluindo quem não devia matar. O ex-presidente do BES converteu-se em veneno social. Ninguém quer ser visto ao lado dele e todas as acusações são dadas como boas e certas e justas e até brandas. Só pode. Ele merece. A acefalia anterior deu lugar a outro tipo de acefalia, a do pré-julgamento geral e total. A queda do GES e a resolução do BES, a contaminação de um pelo outro - um escondia o outro, alimentava o outro, sacava do outro -, a cascata de interesses cruzados que terminou num buraco colossal, têm em Ricardo Salgado o protagonista e o principal responsável, por ação e omissão, é provável que sim; mas então e os outros todos, os que mal se viam mas estavam lá? Anteontem o Banco de Portugal produziu a sentença (a primeira) e foi, como esperado, bastante duro com Salgado. Será preciso tempo para ler as 800 páginas e perceber, tentar perceber os fundamentos que levaram à valorização da prova testemunhal, mesmo quando proveniente de quem tem o incentivo evidente para sacudir a água do capote - por exemplo, o ex-commissaire aux comptes, o contabilista da ESI que cozinhou os números e que agora fritou Ricardo Salgado. Vai ser preciso ler o documento com cuidado, muito cuidado. O Banco de Portugal julgou em causa própria - atacou quem quis, protegeu quem lhe deu jeito, é normal, é previsível, é humano. Construiu uma narrativa. Se Carlos Costa não o fizesse estaria a reconhecer parte da culpa. Mas esta decisão não é ainda a palavra final. A implosão de um grupo económico desta dimensão, de um banco histórico, de uma família poderosa e de um certo país exige não apenas um culpado, exige uma investigação judicial capaz de expor os cúmplices de um sistema tão vasto que não desapareceu de vez - apenas mudou de apelido e amizades. Salgado falhou e outros falharam com ele, embora com responsabilidades muito diferentes. Para que a história não se repita, é preciso saber quem foram, o que receberam em troca e até quando. O DDT não podia tudo sozinho. Só deixou de ter companhia quando deixou de haver tanto dinheiro para distribuir.

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