Turquia acusada de devolver 100 pessoas por dia à Síria

Grécia aprovou legislação para agilizar acordo entre UE e Ancara. Tensão nos campos de acolhimento é cada vez maior
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A Turquia tem devolvido nos últimos meses de forma ilegal milhares de de sírios ao seu país natal, mergulhado numa guerra civil. Uma operação que, segundo a Amnistia Internacional, mostra os efeitos perversos do acordo assinado a 20 de março entre a União Europeia e Ancara. Esta acusação surge na véspera da devolução à Turquia dos primeiros grupos de refugiados que serão expulsos da Grécia a partir de segunda-feira.

Testemunhos recolhidos pela Amnistia Internacional (AI) na fronteira da Turquia com a Síria sugerem que as autoridades de Ancara têm expulsado quase diariamente grupos de 100 sírios (homens, mulheres e crianças) desde meados de janeiro. "No desespero para fechar as suas fronteiras, os líderes da União Europeia ignoraram de forma intencional o mais simples dos factos: a Turquia não é um país seguro para os refugiados sírios e está a tornar-se cada vez menos seguro todos os dias", disse John Dalhuisen, diretor da AI para a Europa e Ásia Central. "A desumanidade e escala das devoluções é verdadeiramente chocante. A Turquia [que registou a entrada de 2,7 milhões de refugiados sírios] deveria suspendê-las imediatamente", acrescentou.

Na semana passada, a AI garantiu ter recolhido vários testemunhos que indicavam expulsões em larga escala a partir da província fronteiriça de Hatay. "Por exemplo, três crianças de menos que 12 anos, que brincavam num parque, foram detidas e reenviadas com o seu tio, deixando na Turquia o seu pai e a sua mãe", indicou à AFP Andrew Gardner, investigador da organização em Istambul.

Já as Nações Unidas pediram ontem o estabelecimento de salvaguardas legais antes de os refugiados serem devolvidos à Turquia no âmbito do acordo com a UE. Dias antes de a Turquia começar a receber de volta migrantes ilegais vindos da Grécia, o que está marcado para segunda-feira, nenhum dos lados está completamente preparado, com as autoridades a lutarem para conseguirem, pelo menos, um início simbólico desta operação.

Cerca de 51 mil migrantes e refugiados estão na Grécia, país onde as chegadas duplicaram na terça-feira, para 766, quando comparado com os dias anteriores, segundo dados do Alto Comissariado da Nações Unidas para os Refugiados. "O ACNUR insiste para que as partes do recente acordo UE-Turquia sobre refugiados e migrantes para garantir todas que todas salvaguardas estão em ação antes dos regressos começarem. Dizemos isto à luz das contínuas falhas graves em ambos os países", declarou a porta-voz do ACNUR, Melissa Fleming.

O Parlamento grego aprovou ontem legislação emendando as leis do país de forma a permitir aos requerentes de asilo e outros migrantes sejam devolvidos aos chamados países seguros, mas sem mencionar explicitamente a Turquia.

No que diz respeito à Turquia - cujo Parlamento esteve reunido ontem e só volta a ter sessão na terça-feira - não há indicações de que se vá proceder a mudanças legislativas para garantir proteção internacional aos não sírios devolvidos das ilhas gregas, como estipulado pelo acordo com a UE.

Mesmo assim, a União Europeia continua otimista sobre a implementação do acordo. "Os preparativos estão bem encaminhados para garantir que a devolução de pessoas cujos pedidos de asilo foram declarados inadmissíveis, e daqueles que não pediram proteção, possam estar em linha com o repatriamento de sírios da Turquia no dia 4 de abril", declarou Mina Andreeva, porta-voz da Comissão.

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Risco de pânico é real

Enquanto isto as condições nas ilhas gregas de Lesbos e Samos - onde três pessoas foram esfaqueadas em escaramuças na quinta-feira à noite -, no porto do Pireu, em Atenas, e em Idomeni, na fronteira com a Macedónia, estão a piorar. "O risco de pânico e ferimentos nestes locais e outros é real", disse a porta-voz do ACNUR, Melissa Fleming.

Um problema que poderá ser minorado se a União Europeia der mais apoio, como prometeu, para melhorar o debilitado sistema de asilo da Grécia. "Horas limitadas e metas diárias nos registos, acesso limitado ao sistema de registo via Skype estabelecido pelos Serviços de Asilo, estão atualmente a aumentar o clima de ansiedade", prosseguiu a porta-voz do ACNUR.

A proximidade da entrada em vigor do acordo UE-Turquia está a aumentar a tensão nos campos gregos. Centenas de refugiados na ilha de Chios atravessaram a vedação de arame farpado do campo de acolhimento e dirigiram-se ao porto para protestar contra a sua planeada deportação, informou a polícia local, que não interveio logo.

Durante a noite de quinta-feira estes protestos descambaram em confrontos, nos quais foram partidas janelas e 10 pessoas ficaram feridas sem gravidade. Cerca de 300 mulheres e crianças abandonaram o campo, levando os seus pertences. "Elas dizem que não querem voltar à Turquia e que têm medo pela sua segurança depois dos confrontos entre migrantes no campo", declarou à Reuters fonte da polícia.

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