Sérvia escolhe primeira mulher para liderar governo e agradar à UE
Mulher, gay, sem partido e uma marioneta do presidente. Ana Brnabic, a nova primeira-ministra sérvia, de 41 anos, funciona como um piscar de olho ao Ocidente e à União Europeia e é, ao mesmo tempo, uma forma de Aleksandar Vucic continuar a mandar. Esta é a opinião de todos os analistas ouvidos pelo DN.
No final de junho, Brnabic foi aprovada pelo Parlamento (157 dos 250 deputados votaram a favor) como nova primeira-ministra, tornando-se assim a primeira mulher a liderar o governo sérvio e também a primeira chefe de governo assumidamente gay do país. Antes dela, a nível mundial, houve apenas quatro primeiros-ministros homossexuais: Leo Varadkar e Xavier Bettel, atuais líderes da Irlanda e do Luxemburgo, Elio Di Rupo (Bélgica, 2011-14) e Jóhanna Sigurðardóttir (Islândia 2009-13).
A nova líder sérvia é uma escolha pessoal de Vucic, que em abril passou de primeiro-ministro - cargo que ocupava desde 2014 - para presidente da República, depois de ter conquistado as eleições com 55% dos votos.
"Quem aceitasse liderar o governo neste momento seria sempre uma marioneta de Aleksandar Vucic. Ele é um líder forte e autoritário e não há qualquer possibilidade de atuar de forma autónoma dentro da sua corte. Ana Brnabic já confirmou a sua lealdade ao afirmar muito claramente que irá obedecer aos conselhos de Vucic", explica ao DN Dragan Popovic, analista político que chefia o Policy Center, um think tank independente em Belgrado. Constitucionalmente, na Sérvia, o presidente tem apenas um papel cerimonial, sendo o primeiro-ministro a figura mais importante. Mas a realidade agora é diferente. "Vucic não quer um primeiro-ministro que seja mesmo um primeiro-ministro", afirma, em resposta às perguntas do DN, Bojan Stojanovic, cientista político da Universidade de Belgrado.
O novo governo é praticamente igual ao anterior, liderado por Vucic, tendo havido apenas ligeiras alterações. A única mudança significativa foi a escolha do pró-russo Aleksandar Vulin para ministro da Defesa. Até agora ministro do Trabalho, Vulin é uma voz incómoda nos Balcãs. "Ataca frequentemente os políticos da Bósnia e Herzegovina, do Kosovo e da Croácia, alimentando as tensões étnicas. E já disse que a NATO - que em 1999 bombardeou Belgrado para pôr fim ao conflito na ex-Jugoslávia - é uma aliança do mal", escreve o The New York Times. "Vulin é muito leal a Vucic e para líderes como ele a lealdade é fundamental. Além disso, funciona como um espantalho que afugenta os vizinhos", acrescenta Popovic.
Ana Brnabic é uma tecnocrata independente que não pertence ao Partido Progressista Sérvio. Depois de estudar nos EUA, a nova chefe de governo completou um MBA em Marketing na Universidade de Hull, em Inglaterra. Só chegou ao mundo da política em 2016, escolhida por Vucic para ministra da Administração Pública. "Ele consegue controlá-la", afirma ao DN Timothy Less, especialista em assuntos da Europa de Leste e diretor da Nova Europa, uma consultora de risco político com sede no Reino Unido. "Brnabic não pertence ao partido e isso limita a sua autoridade no governo e no Parlamento. Além disso, sendo uma cara relativamente nova na política sérvia, também não tem uma base de apoio na sociedade civil. Todo o seu poder deriva de Vucic, de quem ela depende para sobreviver politicamente", acrescenta o analista.
Quais terão sido as razões do presidente sérvio para escolher Brnabic? "Ninguém sabe ao certo quais foram os motivos. Essa é sempre uma característica dos regimes autoritários. Todas as decisões são resultado da vontade privada de quem manda, sem debate público nem explicações", avança Popovic. Ainda assim, Timothy Less apresenta duas justificações. Para o diretor da Nova Europa, Brnabic tem potencialmente as características para agradar à Europa e "desbloquear" o processo de adesão à União Europeia. "Ao ser alguém que fala inglês, que é cosmopolita, mulher e gay, ela vai apelar aos interlocutores liberais do Ocidente e passar a imagem de que a Sérvia é um país normal", sublinha o especialista. Por outro lado, acrescenta Less, Vucic tem confiança na capacidade de trabalho da nova primeira-ministra para modernizar a economia. "Brnabic é uma reformadora por instinto, com experiência no mundo empresarial e provou ser competente enquanto ministra da Administração Pública".
Stojanovic não tem dúvidas de que a orientação sexual entrou nas contas de Vucic: "No mundo inteiro os órgãos de comunicação social estão a falar do assunto. Isso pode ajudar a Sérvia no contexto internacional. O problema é que isto apenas irá mascarar a realidade no que diz respeito aos direitos civis e humanos na Sérvia." Apesar de a adesão à UE ser um velho desejo de Vucic, para os analistas ouvidos pelo DN, Belgrado ainda está demasiado longe de Bruxelas. "Não há qualquer hipótese de a Sérvia aderir até 2020 [final da presente legislatura]", assegura Stojanovic. Timothy Less vai ainda mais longe: "Estou convencido de que a Sérvia nunca irá conseguir a adesão." São demasiadas as reformas que Bruxelas exige e são diminutos os passos que têm sido dados nesse sentido, em grande parte devido aos interesses oligárquicos. Desde que as negociações foram abertas, em janeiro de 2014, apenas dois dos 35 capítulos foram completados, os referentes à Educação e Cultura e à Ciência e Investigação. Há 23 que nem sequer foram abertos.
Um dos principais entraves para a entrada na UE é o Kosovo. "A Europa já deixou bem explícito que a Sérvia tem de reconhecer a independência do Kosovo, mas a Sérvia jamais aceitará ceder nessa matéria. Se tiverem de escolher entre o Kosovo e a UE, os sérvios irão escolher o Kosovo", afiança Less.
O único verdadeiro aliado que os sérvios têm neste diferendo particular é Moscovo, com a Rússia a apoiar o não reconhecimento do Kosovo por parte de Belgrado. "A União Europeia é para onde vamos. Isso é claro. Temos fortes laços emocionais com a Rússia, por causa da tradição, da cultura e da religião. E muita gente na Sérvia vê a Rússia como um irmão protetor, mas o nosso caminho estratégico é a UE", garantiu Brnabic, já depois de tomar posse como primeira-ministra. Será possível ir de Belgrado a Bruxelas sem passar por Pristina? Mesmo piscando o olho ao Ocidente, será difícil que Brnabic consiga fazer essa viagem.