Se Dilma Rousseff cair a culpa é do "mordomo"

Temer, experiente político de 75 anos e poeta nas horas vagas, apertou o gatilho num enredo em que outros teriam mais motivos
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Como num filme policial previsível, o culpado da última tentativa de assassínio político de Dilma Rousseff é "o mordomo", a alcunha que Michel Temer carrega desde que Antonio Carlos Magalhães, velho cacique baiano, disse que o atual vice-presidente do Brasil tinha "cara de mordomo de filme de terror".

O PSDB, maior partido da oposição, teria mais motivos; Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, pode ter fornecido a arma ao aceitar o pedido de impeachment; a própria Dilma revelou tendências suicidas; mas coube a Temer, respeitado constitucionalista de 75 anos, apertar o gatilho.
Nascido Michel Miguel Elias Temer Lulia, oitavo e último filho de uma família de imigrantes libaneses de São Paulo, o hoje líder do PMDB fez carreira como um daqueles políticos que trafegam à vontade nos corredores de Brasília. Foi considerado o parlamentar mais influente do país, eleito presidente da Câmara dos Deputados por duas vezes e é vice-presidente desde 2011. De 2011 a 2015 exerceu o cargo na maior discrição, superado no interesse da imprensa pela (segunda) mulher, a ex-miss Marcela Temer, 33 anos, que atraiu paparazzi desde a primeira tomada de posse de Dilma e tem "Michel" tatuado na nuca, a sua única extravagância conhecida.

Autor de Anónima Intimidade, livro de poesia de 2013 de méritos duvidosos, Temer passava ao lado da agitada história recente do Brasil até Dilma, conhecida irascível, lhe pedir a ele, conhecido moderado, que funcionasse como intermediário entre Planalto e Congresso Nacional, onde os partidos da oposição mas também os da situação, como o PMDB de Temer, a minavam.

Ainda tentava o "mordomo" estabelecer diálogos quando o colega de partido Eduardo Cunha, arqui-rival da presidente, se tornou réu na Lava-Jato em fins de julho e decidiu, possesso, dinamitar todas as pontes entre Congresso e executivo. Após reunião tensa com líderes parlamentares, Temer enfrentou os jornalistas com a voz emocionada, o que não é comum, e o cabelo branco levemente despenteado, o que é ainda mais raro: "O país precisa de alguém que tenha a capacidade de reunificar o país". Aquele "alguém" rendeu quilómetros de carateres nos jornais e encheu a já de si conspirativa Brasília de rumores e teorias. E porque não Temer?

De repente, o "vice" passou a ser aplaudido a cada ato público do PMDB sob gritos "presidente, presidente" e reverenciado pelos parlamentares que caem para onde lhes dá jeito - a esmagadora maioria. Sentiu o poder próximo mas não podia demonstrá-lo, até porque o impeachment estava parado.

O correligionário Cunha deu-lhe um álibi, ao aprovar o pedido em dezembro, e o "mordomo" pôde enfim sentir-se a passear no andar de cima, onde hoje está Dilma. Escreveu-lhe uma carta aberta, com direito a entrada em latim, onde se queixava de ter sido tratado "como figura decorativa", lamentava que três dos seus boys tenham perdido os jobs no governo sem o consultarem e, ainda, que não fora convidado para uma reunião com o vice-presidente dos EUA Joe Biden, com quem, diz, construiu "boa amizade".

Com Dilma cozinhada em lume brando pela Lava-Jato - que, por acaso, atinge tanto PT como PMDB e onde Temer já foi citado por delatores - e pelo impeachment - por causa de pedaladas fiscais das quais o "vice" foi co-signatário -o vice pulou do Titanic governamental e, com barões do PSDB, como o duas vezes derrotado presidencial José Serra, e os donos do PIB brasileiro do seu lado, prepara-se, na última cena deste filme policial previsível, para suceder a Dilma.

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* em São Paulo

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