"Poder judicial atua como braço do executivo"

Entrevista à professora universitária e analista política Margarita López Maya, autora do livro 'El Ocaso del Chavismo' (o ocaso do chavismo)
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O que significa o Supremo Tribunal de Justiça ter assumido os poderes da Assembleia Nacional?

O governo de Nicolás Maduro tem estado quase desde o início, em 2013, num processo autoritário crescente, que se acelerou com a vitória eleitoral da oposição no final de 2015. Desde então começou, já de forma planeada, a tentar neutralizar a Assembleia Nacional. E, para isso, utilizou o Supremo Tribunal, ou seja, o poder judicial. Imediatamente após o triunfo, e antes de a nova Assembleia tomar posse, a antiga que ele controlava nomeou 13 magistrados, para reforçar o controlo sobre o poder judicial. A partir daí o poder judicial atua como um braço do poder executivo, para reduzir os poderes da Assembleia Nacional. No sentido em que, por exemplo, a Assembleia tem direito a chamar um ministro para ouvi-lo sobre uma determinada política. Mas o governo recorria ao tribunal que dizia que o ministro não tinha que ir. Porque o governo decretou um estado de exceção e emergência económica.

Que dá mais poder a Maduro?

Sim, mas de acordo com a Constituição, para o declarar tinha que ir à Assembleia Nacional. E não foi. Foi ao tribunal. Todo o ano passado foram reduzindo as atribuições da Assembleia, foram-na castrando. Que os ministros não tinham que ir, que não divulgavam dados oficiais, até o Orçamento do Estado, que a Constituição exige que seja discutida na Assembleia, foi aprovado por uma suposta Assembleia da Pátria. Não passou pela Assembleia.

O que é que o Supremo decidiu?

Foram duas sentenças seguidas. Na primeira, os deputados perderam a imunidade parlamentar. Os juízes alegam que a Assembleia está em desacato, porque, usando o Conselho Nacional Eleitoral, que também está subordinado a eles, exigiram que fossem retirados os mandatos a três deputados da oposição. Mas isso não existe. Uma vez que foste proclamado vencedor, não podes voltar atrás, tens que proceder a uma investigação. Se esta indicar que houve fraude, então é preciso convocar novas eleições. Mas isso não aconteceu. O que disseram foi pedir à Assembleia que retirasse o mandato desses deputados. A Assembleia não o fez, mas eles autoexcluíram-se. Mas o tribunal decreta que os deputados estão em desacato, porque não acataram a primeira sentença do ano passado, e por isso perderam a imunidade. Na segunda sentença, a propósito de uma interpretação da lei de hidrocarbonetos, de petróleo, talvez porque precisam de fazer algum negócio nessa área, os juízes assumem as funções da Assembleia.

Então o que muda agora?

O Estado não pode pedir dinheiro emprestado, não se pode endividar, sem pedir permissão à Assembleia Nacional. Mas os deputados disseram em janeiro que, como o Orçamento não passou por eles, então qualquer contrato ou qualquer empréstimo que seja feito será considerado nulo. Não se vai devolver esse dinheiro. Acho que esse é o motivo principal de terem feito isto. A forma como trataram disto, de uma maneira desajeitada, é porque precisam de dinheiro e não têm recursos. O constitucionalista Allan Brewer-Carías diz que esta é uma "ditadura judicial", em que o executivo atua concentrando todos os poderes, atestado por um tribunal superior que controla. É mais um processo que começou desde que chegou ao poder e que se acelerou depois da vitória da oposição que aponta para um regime de ditadura.

Fala-se em golpe de Estado, ditadura. São palavras fortes...

Há várias definições de ditadura e na América Latina e entre os venezuelanos está muito associada a um golpe militar, por isso se diz que este é uma ditadura judicial ou uma ditadura de século XXI. Porque todos os aspetos da ditadura estão ali: não há Estado de direito, violam-se as leis e a Constituição, o presidente concentrou todos os poderes, não há independência ou autonomia dos poderes públicos, há muita repressão à dissidência... Mas na realidade ele ganhou as eleições e atua "legalmente" porque controla o Supremo, que é a última instância de recurso. Não há para quem apelar.

Falou dos militares, qual é a posição deles neste momento?

Sempre houve um componente militar forte porque Hugo Chávez [ex-presidente falecido em 2013] era um militar e a sua ideologia dizia que isto era uma revolução que se fazia com uma aliança militar e civil. Contudo, quando Maduro, um civil, chega ao poder, o militarismo acentua-se. Porque Maduro ganhou com pouca vantagem, não era um líder carismático como Chávez, já não tinha o dinheiro do petróleo, e apoiou-se mais no setor militar. E no setor militar não como corporação ou como instituição, mas como grupos, como mafias, metidos nos negócios da droga, da gasolina, de contrabando de alimentos e medicamentos. Este é um governo patrimonial, que está a fatiar o estado cada vez em cada vez mais parcelas, cada vez que entra um novo grupo ou interesse.

Então não farão nada agora?

Essa é a grande pergunta que fazem todos os venezuelanos, porque os negócios não chegam a toda a gente. Na cúpula tem havido até agora um apoio a Maduro que não se rompeu, mas agora temos que ver o que acontece nas ruas. Já há protestos e repressão, mas temos que ver quantas pessoas saem para as ruas e que repressão vai haver e como vai atuar o exército. Mas cada vez é mais difícil sustentar um governo que se tornou delinquente. O vice-presidente, por exemplo, está na lista de sanções dos EUA por narcotráfico.

O que mais pode fazer a comunidade internacional?

A Organização de Estados Americanos moveu-se rapidamente. Houve um avanço no isolamento do governo de Maduro na comunidade americana, não é como na época de Chávez. Já não é o mesmo. Já mudaram os governos, que são de outras cores ideológicas e que não estão dispostos a servir de comparsas incondicionais a um governo nestas condições.

Como é que esta situação se pode resolver?

O que é preciso fazer é mudar de governo, porque este não parece disposto a fazer as mudanças necessárias nas suas políticas. Na eleição de dezembro de 2015, quando a Assembleia ficou controlada pela oposição, houve esperança de que iria retificar o caminho, que ia reconhecer o resultado eleitoral, e tentar negociar uma transição. Mas ele negou-se e o que fez foi piorar a situação. A situação está dramática.

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