Padre ajudou mafia a desviar ajuda que era para refugiados
A mafia assumiu a gestão de um dos maiores centros de receção de migrantes em Itália, usando uma associação católica como fachada para desviar pelo menos 36 milhões de euros que eram destinados à ajuda aos refugiados. As autoridades italianas descobriram o esquema e detiveram 68 pessoas, entre as quais um padre que só este ano alegadamente recebeu 132 mil por "serviços espirituais" aos migrantes. Mas acreditam que esta é apenas "a ponta do icebergue, não sendo certamente um caso isolado".
O centro de acolhimento de Sant"Anna Cara, em Isola Capo Rizzuto, na Calábria, tem capacidade para 1200 pessoas. Criado perto do aeroporto de Crotone em 1999, é um dos maiores da Europa, sendo gerido pela associação católica Confraternita della Misericordia. Segundo as autoridades, esta entregou o controlo da alimentação e de outros serviços ao clã Arena, uma das famílias da "Ndrangueta. A mafia calabresa fazia dinheiro deixando os refugiados com fome.
"Se 500 migrantes tinham que almoçar, só 250 refeições chegavam ao centro. Os outros 250 tinham que ou comer à noite ou no dia seguinte", indicou o procurador de Catanzaro, Nicola Gratteri numa conferência de imprensa. "E não só havia pouca comida, como geralmente era da que só daríamos aos porcos", acrescentou. Além disso, a mafia também inflacionava o número de refugiados que havia no centro, para receber mais apoio.
Entre 2006 e 2015, este esquema terá permitido desviar 36 dos 103 milhões de euros que o Estado pagava para o acolhimento aos migrantes - em média, Itália paga 35 euros por dia, por refugiado, para garantir a alimentação, habitação, vestuário, cursos de italiano e apoio legal e psicológico. Enquanto os migrantes passavam fome, "os responsáveis da Misericordia, o padre e os amigos engordavam, compravam carros de luxo, apartamentos e barcos", indicou Gratteri. A associação católica, cuja sede é em Florença, disse num comunicado ter toda a fé no sistema judiciário, acrescentando ter posto o centro sob administração especial. Já o bispo local, Domenico Graziani, disse à rádio estar "consternado e alarmado".
Durante a operação policial de segunda-feira, que envolveu 500 agentes, as autoridades apreenderam bens e propriedades no valor de 84 milhões de euros. Na casa de um dos detidos foram encontrados 200 mil euros, sendo que ele declarava rendimentos anuais de apenas 800 euros às autoridades fiscais.
"O centro da Isola Capo Rizzuto tinha-se tornado numa operação de impressão de dinheiro para o crime organizado graças à cumplicidade daqueles que geriam o centro", indicou Rosy Bindi, presidente da comissão antimafia no Parlamento italiano. "Esta operação mostra a capacidade da mafia de se aproveitar das fraquezas e da fragilidade dos nossos tempos com a sua aproximação predatória e parasítica", acrescentou. Este não será o único caso, já que a mesma mafia será também responsável por fornecer alimentação a outros dois centros de acolhimento e outro de receção na ilha de Lampedusa.
Há muito que as autoridades desconfiavam do centro, com uma inspeção em 2013 a revelar que os refugiados comiam pequenas porções de alimentos fora de prazo e que havia 70 menores não acompanhados a dormir num hangar do aeroporto onde só havia duas casas de banho. Já em 2015, a revista L"Espresso tinha revelado numa investigação que os gerentes estavam a desviar dinheiro a deixar os refugiados com fome.
Este ano, segundo números do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 45 mil migrantes desembarcaram em Itália, num total de 53 mil que chegaram à Europa por via marítima.