O embaixador russo em Washington que dá dores de cabeça a Trump
Para quem gosta de trabalhar na sombra e longe dos holofotes, os últimos tempos têm sido demasiado mediatizados para Sergey Kislyak. O embaixador russo em Washington está em foco como um dos principais fatores de instabilidade da Administração Trump. Indiretamente foi ele o responsável pela primeira baixa - a demissão de Michael Flynn, conselheiro para a Segurança Nacional - e deixou Jeff Sessions, procurador-geral, a equilibrar-se na corda bamba com muitos a exigirem a sua queda.
Em plena polémica sobre a alegada interferência russa nas eleições, os dois políticos norte-americanos, em momentos diferentes, falaram com Kislyak. Flynn não partilhou com o vice-presidente Mike Pence todas as informações sobre a conversa e acabou por ser obrigado a demitir-se. Sessions, por seu turno, teve de pedir escusa de todas as investigações relacionadas com a campanha depois de ter ficado provado que, durante essa mesma campanha, teve dois encontros com Kislyak. Jared Kushner, conselheiro e genro de Donald Trump, também se encontrou com o embaixador russo, mas, pelo menos até agora, não foi vítima do feitiço do diplomata - que parece atingir todos com quem conversa.
"Gosta de operar nos bastidores. É um diplomata profissional, não é um político. Tenho a certeza que estará surpreendido e desagradado com tanta atenção", afirma, citado pela ABC News, John Beyrle, ex-embaixador dos EUA na Rússia.
Kislyak tem 66 anos e traz consigo uma longa experiência ao serviço da diplomacia de Moscovo. Formado em Física Nuclear, entrou para o ministério russo dos Negócios Estrangeiros ainda nos anos 70. Na década seguinte (entre 1981 e 1985), prestou serviço na missão permanente da União Soviética nas Nações Unidas e também como secretário na embaixada em Washington (1985-89). Depois de uma nova temporada em Moscovo nos anos 90 - durante a qual foi ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros - rumou à Bélgica como embaixador (1998 a 2003) e tornou-se o primeiro representante permanente russo na NATO (2003-08). Em 2008 foi finalmente colocado em Washington, no cargo que ocupa até hoje e que é considerado o segundo mais importante na hierarquia diplomática, logo abaixo do ministro dos Negócios Estrangeiros.
"É muito experiente e estava sempre bem preparado. Conseguia ser cínico, indomável e inflexível. E tinha uma mentalidade soviética. Era agressivo em relação aos EUA", afirma, ao The New York Times, Nicholas Burns, antigo subsecretário de Estado que teve que negociar com Kislyak as sanções ao Irão.
Conta o The Guardian que o embaixador, filho de ucranianos, gosta de honrar as raízes e oferece aos convidados vodka aromatizada com pimenta. A gastronomia é uma das suas paixões e diz-se que Kislyak também é conhecido por ter ao seu serviço um dos melhores chefs entre a comunidade diplomática de Washington. Michael McFaul, embaixador dos EUA em Moscovo de 2012 a 2014, recorda um jantar "extraordinário e magnífico" na embaixada russa em Washington. Sobre Kislyak ficou impressionado com a forma como ele foi capaz de socializar e de entreter os convidados, mas sempre com um objetivo político.
Cordial, bem-humorado e fluente em inglês são outras características que ajudam a descrever Kislyak, porém, apesar da afabilidade, o embaixador não é homem de ficar-se pelas meias-palavras. Os que o conhecem de perto são unânimes em sublinhar a defesa assertiva e impiedosa que faz dos interesses e das posições russas. Num debate recente na Universidade de Stanford, questionado sobre os erros da política russa, inverteu a pergunta e respondeu que o principal problema dos EUA é a crença de que são excecionais. "A diferença entre o vosso excecionalismo e o nosso é que nós não tentamos impor o nosso aos outros", afirmou Kislyak.
Os seus colaboradores mais próximos dizem que estará prestes a deixar Washington. Fala-se que poderá mudar-se para Nova Iorque, para ocupar o posto de representante russo nas Nações Unidas, que ficou vago com a morte de Vitaly Churkin, no dia 20 de fevereiro.