Mais jovem país do mundo enfrenta a guerra, a crise e agora a fome

ONU e governo alertam que cem mil pessoas estão em risco imediato de inanição no Sudão do Sul, mas pode alastrar a mais um milhão.
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Para ser declarada fome, é preciso que pelo menos 20% da população tenha acesso a menos de 2000 calorias de alimentos por dia, que mais de 30% das crianças sofram de malnutrição e que se registem diariamente duas mortes por cada dez mil pessoas ou a morte de quatro crianças em cada dez mil. É isto que está a acontecer em algumas regiões do Sudão do Sul onde as autoridades do mais jovem país do mundo e a ONU declararam haver fome - a primeira vez em seis anos que tal anuncio surge.

A fome está por enquanto centrada no estado de Unity, no Norte do país, afetando já cem mil pessoas. Mas há mais um milhão em risco de inanição, um efeito combinado da guerra e da crise económica que se vive no Sudão do Sul. Segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU, além dos casos mais graves, há 4,9 milhões de pessoas (mais de 40% da população do país) a precisar urgentemente de alimento.

Rico em petróleo, o país de maioria cristã tornou-se independente em 2011, após uma longa guerra civil com o Sudão, de maioria muçulmana. Mas não se livrou da guerra, tem vivido em conflito desde 2013, quando o presidente Salva Kiir, de etnia dinka, demitiu o governo e afastou o vice-presidente, Riek Machar, de etnia nuer. As divisões étnicas marcaram os últimos anos, com a ONU a alertar para a possibilidade de se assistir a um genocídio. A violência já fez mais de três milhões de deslocados, apesar da presença de 12 mil capacetes azuis.

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Os combates impediram muitos agricultores de colher o que plantaram, enquanto a inflação descontrolada - em 2016 chegou aos 800% - fez disparar o preço dos alimentos importados, colocando-os fora do alcance de quase toda a população. O Sudão do Sul sofreu ainda a seca em várias regiões. E até julho, a ONU acredita que haverá 5,5 milhões de pessoas em risco de fome.

Joyce Luma, líder do PAM no Sudão do Sul, explicou à BBC que a fome no Sudão do Sul é "de responsabilidade humana". Guerra gera crise económica que faz subir o preço dos alimentos e reduz a produção agrícola. "Quando declaramos que há fome, é porque as pessoas já começaram a morrer de inanição", explicam a UNICEF, o PAM e a FAO num comunicado conjunto.

Esta é a pior fome desde a declarada em 2011 na Somália e que fez 260 mil mortos. O próprio Sudão, em 1998, muito antes da independência do Sul, sofrera uma fome que fez mais de 700 mil mortos.
Apesar de a declaração de fome não acarretar uma obrigação por parte dos Estados ou da ONU, é um sinal de alarme. UNICEF, PAM e a FAO alertam para a necessidade de maior apoio humanitário ao Sudão do Sul. Mas há muitas zonas de difícil acesso. Num país pouco mais pequeno do que a França só há 200 km de estradas asfaltadas. Os combates também dificultam a entrega de ajuda humanitária. Nos últimos meses multiplicaram-se as pilhagens em armazéns e alguns funcionários de ONG foram mesmo mortos.

Nas últimas semanas, uma série de demissões nas forças armadas e a saída do governo do ministro do Trabalho, que se juntou aos rebeldes nuer, deixam antecipar o agudizar da crise.

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