Erdogan afasta-se da UE e privilegia aliança com a Rússia de Putin
O presidente Recep Tayyip Erdogan está em Moscovo, onde se encontra hoje com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, em mais um sinal de que, após as tensões provocadas pelo abate de um Su-24 em finais de novembro de 2015 por ter violado o espaço aéreo turco, as relações bilaterais se encontram totalmente restabelecidas e estão mesmo a ganhar importância acrescida.
A presença de Erdogan em Moscovo sucede num momento em que, por outro lado, as tensões se acentuam entre Ancara e a União Europeia (UE) e o presidente turco comparou a decisão das autoridades de Berlim de não autorizarem comícios junto da comunidade do seu país na Alemanha, a propósito do referendo à revisão constitucional na Turquia, a práticas "típicas do período nazi".
Ainda ontem, o porta-voz de Erdogan, Ibrahim Kalin, se fez eco do clima de distanciamento cada vez mais acentuado entre Ancara, a UE e Berlim, reconhecendo a existência de "profundas divergências" entre o seu país e a Alemanha, que permite "aos militantes curdos circularem livremente no país", ao mesmo tempo que acusava alguns Estados membros da União Europeia de financiarem a campanha do não à aprovação das mudanças à Constituição turca, que reforçam consideravelmente os poderes presidenciais.
"Vasta agenda"
A importância da presença de Erdogan em Moscovo naquela que é a terceira vez que se reúne com Putin, após o incidente de novembro de 2015, pode aferir-se pela "vasta agenda" do encontro, como notou ontem o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Este destacou a reunião do Conselho de Cooperação de Alto Nível Russo-Turco, com a presença de uma série de ministros dos dois países. "Poucos países mantêm este grau de cooperação próxima e estratégica", salientou Peskov. A anterior reunião desta natureza realizou-se em dezembro de 2014, recordavam ontem as agências russas.
O reforço da cooperação económica e a materialização dos chamados "megaprojetos", como o oleoduto conhecido sob o nome de Turkish Stream, a construção da central nuclear de Akkuyu na Turquia, com tecnologia russa, antecipando-se ainda a assinatura de novos acordos de parceria em mais áreas, como o turismo.
As sanções que Moscovo aplicou à Turquia foram levantadas na quase totalidade em finais de 2016. Em 2015, as trocas comerciais entre os dois países situaram-se nos 23,9 mil milhões de dólares. Além da dimensão económica, a questão da guerra civil na Síria será o outro grande tema em análise, além do estado da investigação à morte do embaixador russo em Ancara, Andrey Karlov, em dezembro último, considerado um dos principais artífices da reaproximação entre Erdogan e Putin.
Uma reaproximação que se iniciou imediatamente após o golpe falhado de 15 de julho de 2016 na Turquia, com Moscovo a declarar-se incondicionalmente ao lado de Erdogan. Ainda quando não era claro qual seria o desenlace das movimentações dos militares revoltosos, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, indicou que o seu país estava disponível para conceder asilo político ao presidente turco, em caso de necessidade.
Do lado de Erdogan, o golpe de julho abriu caminho para a normalização diplomática com Moscovo, tendo detido os pilotos responsáveis pelo abate do Su-24 russo num gesto considerado conciliatório.
Sobre o conflito na Síria, o porta-voz do Kremlin indicou que será analisada "uma solução política para a crise e o curso de ação para levar a cabo as tarefas militares" que ambos os países prosseguem em território sírio.
Revés para os Estados Unidos
O regresso da cooperação estratégica económica, diplomática e militar entre Ancara e Moscovo representa, pelo menos, no plano do conflito na Síria um revés para os Estados Unidos.
De facto, Washington tem sido o grande ausente nos mais recentes desenvolvimentos na Síria. O afastamento de Bashar al-Assad do poder em Damasco é uma reivindicação dos EUA, que Ancara deixou de apoiar, assim como a intensificação das ações contra os grupos curdos, alguns deles apoiados por Washington, estão a reduzir a influência americana no conflito.
Associado a este desenvolvimento, a iminente aprovação da reforma constitucional no referendo de 16 de abril, naquilo que é visto na UE e em vários setores nos EUA como "uma deriva autoritária", não deixará de contribuir para um relacionamento mais distanciado de Ancara com Bruxelas e com Washington. Em relação a esta última capital, deve-se ter presente que a Turquia pediu a extradição de Fethullah Gülen, o clérigo islamita que considera o mentor do golpe de julho, exilado há vários anos nos EUA. E não há certezas de qual será a atitude da diplomacia americana no caso. A decisão judicial que venha a ser tomada, terá sempre de ser analisada pelo Departamento de Estado.
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