Com Macron e Schulz de mão dada, "UE pode reencontrar motor histórico"
Não estão longe um do outro na geografia política. "Martin Schulz irá conduzir o SPD alemão um pouco mais para a esquerda e Emmanuel Macron está ligeiramente à direita dos socialistas franceses. Podem encontrar-se a meio", explica ao DN o cientista político Kai Arzheimer, da Universidade de Mainz. Talvez a proximidade ideológica faça esbater o fosso geracional: o francês tem 39 anos e o alemão já vai nos 61.
Desde novembro de 2005 que existe uma constante na Europa, chama-se Angela Merkel. Quando foi eleita chanceler alemã, Jacques Chirac já estava na reta final do seu mandato como presidente francês. Depois vieram Nicolas Sarkozy e François Hollande. Com presidenciais em França (a 23 de abril e a 7 de maio) e legislativas na Alemanha (a 24 de setembro), 2017 pode ser o ano da mudança de rostos no eixo franco-alemão.
Hollande está de saída e começa a ganhar consistência a hipótese de ser Emmanuel Macron - ex-socialista e ex-ministro da Economia de Manuel Valls - a suceder-lhe. E na Alemanha, com o ex-presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz como candidato, o SPD deu um salto de dez pontos nas sondagens e está em empate técnico com a CDU de Angela Merkel.
As contas eleitorais estão ainda longe de estar fechadas, mas o que poderia significar para a Europa esse novo eixo franco-alemão com Macron em Paris e Schulz em Berlim? Haverá química entre os dois?
Para Eckart Stratenschulte, o normal sempre foi França e Alemanha estarem em desacordo e conseguirem encontrar um compromisso que depois é aceitável para os parceiros da UE. E isso, sublinha ao DN o diretor da Academia Europeia em Berlim, tem sido assim independentemente das personalidades ou do posicionamento político dos líderes: "Basta pensarmos no conservador e terra-a-terra Helmut Kohl com o intelectual socialista François Mitterrand, no social-democrata Gerhard Schröder com o conservador burguês Chirac, na conservadora e emocionalmente contida Merkel com o socialista e mulherengo Hollande." Para Stratenschulte, o importante é que os líderes dos dois países vejam a integração europeia como uma necessidade e tanto Merkel como Schulz serão bons parceiros para Macron ou Fillon. O cenário só seria distinto com Marine Le Pen no Eliseu.
"A Europa precisa de forma dramática de um tipo de liderança que pode ser personificada por Macron e Schulz", acredita Guillaume Devin. Em declarações ao DN, este politólogo da Science Po, em Paris, acredita que a visão de uma UE mais eficiente e mais social aliada a um forte pragmatismo é algo que aproxima os dois homens. "Um recomeço com novas ideias poderá criar um elã salvador para a construção europeia", sublinha o professor de Ciência Política especializado em Relações Internacionais.
Thorsten Benner, analista do Global Public Policy Institute, think tank em Berlim, assinala que a convergência ou a divergência entre Macron e Schulz dependerá muito da base de apoio que cada um consiga dentro de casa. "É possível que Macron venha a ter de governar com um parlamento não controlado por ele. E Schulz, para chegar a chanceler, precisará de parceiros de coligação que irão condicioná-lo." Ainda assim, Benner diz ao DN que haveria "uma energia fresca" e "vibrações positivas". Em princípio, acredita o politólogo, Macron e Schulz dariam um empurrão à política europeia de Defesa e suavizariam a aplicação dos critérios orçamentais de Maastricht, "permitindo à França um défice maior para fazer reformas".
Arzheimer está convencido de que é possível que uma coabitação entre os dois líderes signifique uma inversão no caminho da Europa. "A cooperação entre França e Alemanha não funcionou muito bem na última década. Isso pode mudar se os dois países forem comandados em simultâneo por líderes que estão ideologicamente mais próximos um do outro do que Hollande e Merkel", sublinha o professor da Universidade de Mainz. Arzheimer acrescenta ainda que Schulz terá a tentação de puxar por uma agenda europeia mais federalista, passando, por exemplo, por passos no sentido de uma política fiscal comum.
Num artigo intitulado Uma vitória de Emmanuel Macron daria à Europa uma oportunidade para salvar-se a si própria, Martin Kettle, editor executivo do The Guardian, assegura que o europeísmo do candidato às presidenciais francesas tornaria as negociações do brexit mais complicadas para o Reino Unido. "Schulz é um social-democrata clássico. Macron é um liberal ao estilo de Jacques Delors que quer reavivar a Europa. Aí encontram uma causa comum", explica o jornalista britânico em resposta às questões do DN. Kettle acredita que este hipotético eixo franco-alemão revelaria "mais abertura para programas de investimento" e que o perigo passaria por uma "complacência em questões sensíveis para a esquerda, como as migrações".
Jérôme Creel, diretor do departamento de estudos na Sience Po, também vê com simpatia essa eventual mudança de protagonistas políticos em Paris e em Berlim: "Um eixo franco-alemão entre Schulz e Macron levaria a uma situação curiosa: uma viragem intervencionista na Alemanha associada a uma viragem liberal em França. Em comparação com a situação atual isso representaria uma convergência de pontos de vista entre as duas nações." Este professor de Economia julga que isso poderia levar a UE a "reencontrar o seu motor histórico".
Pode até ser que ambos acabem a celebrar juntos os aniversários. Schulz nasceu a 20 de dezembro e Macron a 21. Os dois são Sagitário.