Brexit. Aconteça o que acontecer, "keep calm and carry on"

Britânicos votam hoje o seu futuro na UE. Todos acreditam que o país será capaz de responder ao que aí vem.
Publicado a
Atualizado a

Quem entra numa loja de recordações em Londres e vê canecas, posters, panos das mãos ou crachás com a frase "Keep calm and carry on" (Fica calmo e continua), que a internet ajudou a adaptar a qualquer ocasião, muitas vezes não sabe que a expressão foi cunhada pelo governo para um cartaz motivacional para preparar os britânicos para a II Guerra Mundial. O cartaz que em 1939 acabou por ser pouco usado, só sendo redescoberto em 2000, pode servir agora como mantra no referendo sobre o futuro do Reino Unido na UE. Independentemente da escolha que hoje quase 46,5 milhões de eleitores fizerem, a opinião nas ruas é que o país sobreviverá às consequências e pelo menos terá acabado a retórica bélica que marcou a campanha.

"Pelo menos um quarto das pessoas estão indecisas. Não sabem em quem votar e estão confusas. Tem havido muita desinformação", diz David Freeborn com a sua T-shirt "Vota ficar" atrás de uma banquinha temporária que nasceu à hora de almoço em frente à estação de metro de Warren Street. "O nosso objetivo aqui é responder às dúvidas das pessoas e recordar-lhes que é preciso ir votar. Quantas mais pessoas o fizerem, menos probabilidade terá o brexit de ganhar." Um cenário que não quer acreditar ser possível, mas com o qual terá de lidar se for essa a escolha dos eleitores. "As finanças do país vão quebrar, de certeza, mas descobriremos uma forma de lidar com isso como sempre fizemos."

Noutro lado da cidade, à saída da estação de Parsons Green, Hugo Van Randwick também diz que independentemente do resultado os britânicos vão "carry on", defendendo contudo que a luta para acabar com as regras que considera arbitrárias da UE não vai acabar e que outros países vão querer também fazer referendos. Enquanto distribui os panfletos vermelhos do brexit, explica que um voto no "sair" é um voto para "restaurar a democracia no Reino Unido, controlar a imigração e impedir que os criminosos entrem no país", mas também para "travar a queda dos salários e o aumento dos preços das casas, o que representa menor poder de compra". E os alertas sobre a economia da campanha adversária? "A ideia de que um Reino Unido independente é mau para a economia não faz sentido nenhum."

Ao seu lado, os argumentos de William Coleshill, futuro professor, são os mesmos. Sobre o tema da imigração, considera que um dos "estratagemas nojentos" da campanha do "ficar" é dizer que isto está relacionado com o racismo. "Sou mulato e defendo o brexit, como é que explicam isso? Simplesmente acho que é melhor todos os imigrantes responderem pelas mesmas regras e aquilo que estamos a dizer é que queremos que quem entre no nosso país tenha qualificações necessárias", explicou, admitindo que o líder dos independentistas do UKIP, Nigel Farage, poderia ter usado um cartaz diferente na campanha em vez do controverso com refugiados.

No último comício da campanha, em Londres, Farage defendeu que no final do dia esta é uma decisão sobre que bandeira os eleitores querem ter: a britânica ou a europeia. "Votem com o coração, com a alma, com orgulho neste país e nas suas pessoas e juntos podemos fazer de amanhã o nosso dia da independência", disse o líder do UKIP. "Um grande dia para a nossa história nacional, um dia que é bom para nós e para o resto da Europa, porque outras nações vão seguir-nos."

Respondendo a uma questão do Observador, Farage deixou uma mensagem para os portugueses: "Para seu bem, quanto mais cedo Portugal sair do euro, melhor." Farage indicou que "é triste e lamentável o que aconteceu ao povo português". "Vocês foram inscritos numa zona monetária para a qual nunca tiveram condições de entrar."

O relógio passa uns minutos do meio-dia e Naomi Smith deixa o escritório, desce até à entrada da estação de metro de Warren Street, veste a T-shirt azul onde se lê "I"m in" (estou dentro). A campanha é feita boca-a-boca, um eleitor de cada vez, e esta contabilista não hesita em aproveitar a hora de almoço para ser voluntária. "Nas eleições gerais, se somos trabalhistas e estamos numa circunscrição conservadora, ou vice-versa, por vezes sentimos que o nosso voto não conta, mas desta vez é um referendo e todos os votos contam", explica, enquanto cola um autocolante num eleitor que passa. "Se conseguir convencer dez ou 20 pessoas já cumpri o meu dever."

Do outro lado da estrada, a apregoar o voto no "ficar", está Jo Owen. "Somos mais fortes na Europa", conta esta avó que, no referendo de 1975, quando os britânicos foram pela primeira vez chamados a pronunciar-se sobre a sua ligação à UE, diz que estava mais preocupada "com a família e as crianças" e não se envolveu no tema. Desta vez, contudo, não quis ficar em casa: "Sou de uma geração que passou por uma guerra. Porque é que quereria acabar com a união que nos tem garantido a paz", questiona.

A estrela do comício final dos que defendem a permanência na UE, em Birmingham, não foi Cameron, cujo discurso sobre os males para a economia ou a segurança do país soa repetitivo. A estrela foi o seu antecessor à frente do governo britânico, o trabalhista Gordon Brown. "Este não é o Reino Unido que conheço, que amo. O que conheço é melhor que estes debates de insultos, de cartazes. O que conheço é melhor a lidar com um dos maiores desafios do nosso tempo."

[artigo:5239591]

Enviada a Londres

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt