Timor-Leste: O cuidador de orquídeas que foi Presidente por nove dias
Chamado por todos "o proclamador" - foi ele que leu a declaração unilateral de independência pela Fretilin, em frente ao Palácio do Governo, em Díli, a 28 de novembro de 1975 - Francisco Xavier do Amaral vai agora dar nome a uma rotunda.
"A Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente decreta e eu proclamo unilateralmente a independência", disse então Francisco Xavier do Amaral.
Uma estátua sua de corpo inteiro vai ser inaugurada na tarde de sábado, dia que marca os 15 anos da restauração da independência, mas que marca também o 43.º aniversário do segundo partido timorense, a Associação Social-Democrata Timorense (ASDT).
Partido que em setembro de 1974 se transforma em Fretilin mas cuja marca o próprio Xavier do Amaral, finda a luta contra a ocupação indonésia, faz recuperar levando-o ao Parlamento Nacional.
O homem que é homenageado no sábado tentou por duas vezes candidatar-se ao cargo de chefe de Estado, primeiro em 2007 e depois em 2012, acabando por morrer, vítima de doença prolongada, a 06 de março desse ano, 11 dias antes da votação.
Uma vida associada à luta pela independência de Timor-Leste que viu Xavier do Amaral ser preso pelo partido que o elegera, a Fretilin e depois pelos ocupantes indonésios.
Foi tratador de cavalos e de orquídeas e por duas vezes se apresentou a votos, em 2007, numa espécie de luta entre David e Golias, contra o líder histórico Xanana Gusmão, e depois em 2012, o ano que marcou a sua última batalha.
Homem determinado, e que dizia que só a sua eleição poderia salvar a história de Timor, Xavier do Amaral assumia-se da Fretilin, partido a que disse ter perdoado a expulsão.
Xavier do Amaral, que morreu aos 78 anos, nasceu no subdistrito de Turiscaia. Filho de pais agricultores (o pai foi chefe de suco [freguesia] até à invasão japonesa, em fevereiro de 1942) estava predestinado a seguir a carreira eclesiástica, não fosse a sua "língua comprida" fazer o bispo recuar.
Estudou em Díli e na segunda classe entrou no seminário de Soibada, acabando a quarta classe quando tinha 14 anos, e o antigo quinto ano dos liceus, no seminário de Dare, aos 20, uma situação normal, tendo-se em conta que o território tinha sido invadido pelo Japão.
Em 1956 Xavier do Amaral parte para Macau para continuar os seus estudos de Filosofia e Teologia. Aos 28 anos, terminado o curso de Teologia Geral, está de novo em Díli, pronto para ser ordenado.
"O bispo não me ordenou, eu falava muito", contou, sem mostrar pena numa das várias conversas com a agência Lusa.
Ainda assim ligado à igreja, dá aulas na escola dos salesianos e no ano seguinte abre a sua própria escola (do primeiro ciclo) e dá também aulas de Literatura Portuguesa e de Latim. Confessa que ganhava bem na altura, o suficiente para construir uma grande casa no centro da capital timorense, em 1974, onde dava explicações também.
Na sequência do 25 de Abril funda em Díli, com Ramos Horta e Mari Alkatiri a Associação Social Democrata Timorense (ASDT), que se transforma depois em Fretilin.
Anos depois, na sua primeira candidatura a Presidente, ainda citava Marx, ainda achava que não se podia "excitar um povo ignorante", e lembrava como tentou em 1975 conquistar os soldados portugueses para a causa da Fretilin.
Foi nesse ano de 1975, a 20 de novembro, eleito pelo partido como primeiro Presidente da República Democrática de Timor-Leste (RDTL), um cargo que assumiu aquando da declaração unilateral da independência pela FRETILIN, a 28 de novembro.
O mandato pleno duraria pouco: nove dias depois, a 07 de dezembro, a Indonésia invadiu Timor-Leste.
Dois anos depois, devido a várias acusações nunca provadas, foi expulso do partido e substituído por Nicolau Lobato. Esteve dois anos preso pelo partido que ajudara a fundar até que, em 1979, é capturado pelos soldados indonésios e fica mais 20 anos detido.
Passa quatro anos em Bali, onde trata dos cavalos de um general indonésio, e os restantes em Jacarta, a tratar das orquídeas do mesmo general.
Regressa a Díli em fevereiro de 2000 e faz renascer a ASDT, partido que elege seis deputados nas eleições para a Assembleia Constituinte.
A sua morte mereceu mensagens de condolências de vários países tendo o então chefe de Estado cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, destacado o desaparecimento de alguém que simbolizou "a resistência maubere ao colonialismo".
Cavaco Silva, Presidente da República português na altura, recordou-o como "uma figura ilustre da história" de Timor-Leste, sublinhando o extraordinário legado de coragem na luta pela liberdade deixado por Francisco Xavier do Amaral.