O défice público de 2016 ficou abaixo do previsto no Orçamento do ano passado, caiu quase 500 milhões de euros face a 2015 e, medido em proporção do produto interno bruto (PIB), ficou em 2,3% (ou menos), abaixo da linha vermelha estabelecida pela União Europeia no verão passado (2,5%)..Mas sem o dinheiro angariado através do programa de regularização de dívidas ao fisco e à Segurança Social, ficariam a faltar mais de 600 milhões de euros. Bastaria a parte do fisco, pois deu um encaixe de 513 milhões de euros. Sem isso, o défice final poderia subir até 2,6%, com o governo a arriscar novo problema em Bruxelas..No entanto, o ano orçamental acabou de forma favorável. O défice da execução orçamental até dezembro, ontem divulgado pelas Finanças e classificado de "excelente" pelo gabinete de Mário Centeno, resultou "em grande medida" da "contenção da despesa" e da "significativa melhoria da situação económica ao longo do ano"..No entanto, as contas de 2016 tiveram uma ajuda decisiva: a receita fiscal, mesmo com o reembolso de impostos, acabou 2,4% acima do nível de 2015. Os dados da Direção-Geral do Orçamento (DGO) indicam que o programa de recuperação de créditos fiscais (PERES) lançado em novembro permitiu um encaixe extraordinário de 512,7 milhões de euros em impostos mais 92 milhões em descontos para a Segurança Social, um total de 600 milhões.."O acréscimo da receita fiscal (2,4%) resultou do aumento da receita de impostos indiretos (6,7%), não obstante a contração da receita proveniente de impostos diretos (-2,7%), a qual tem vindo a reduzir--se desde agosto. Estes resultados encontram-se favoravelmente influenciados pela receita arrecadada no âmbito do PERES, que ascendeu a 512,7 milhões de euros (dos quais 473,7 milhões em dezembro)", explica o boletim da DGO..O gabinete de Centeno põe a coisa de outra forma: a coleta de impostos cresceu "não obstante o acréscimo de 891 milhões de euros de reembolsos fiscais". "A receita fiscal beneficiou do programa de recuperação de créditos fiscais", reitera..Do lado da despesa, as cativações de despesa também resultaram. O gasto público total cresceu 1,9% (abaixo do ritmo da receita total, mais 2,7%). Travões? As compras de bens e serviços avançaram 0,9% em 2016. O investimento público sofreu um corte de 10%. Assim, a despesa "ficou três mil milhões de euros abaixo do Orçamentado". Mas a receita, mesmo com o PERES, também ficou aquém: menos 1,8 mil milhões de euros..O défice caiu assim 497 milhões de euros face a 2015, ficando em 4256 milhões de euros. Este valor em contabilidade pública "permite antecipar que o défice em contas nacionais não será superior a 2,3% do PIB", diz o ministério. Se extrairmos a enorme fatura de juros da equação do défice, Portugal até tem um excedente. "O saldo público primário foi de 4029 milhões de euros", mais 747 milhões do que em 2015..O que dizem os economistas.Federico Salazar, o economista da Fitch que segue Portugal, tem uma visão relativamente benigna do ano orçamental de 2016, mas recorda que faltou recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos. "Os nossos ratings baseiam-se num modelo que se alimenta de dados históricos" e, nesse sentido, "obviamente que temos de esperar até conhecermos os números oficiais da recapitalização da Caixa, algo que não vai acontecer já"..Para o analista, o défice mostra uma situação "mais estável" até do ponto de vista político, mas "pensamos que há aspetos, não diria negativos, que não mudaram como deviam. A dívida pública, sem dúvida". "Esperávamos que a dívida fosse mais elevada em 2016, mas a solução para a CGD acabou por ser adiada para 2017, como sabemos.".A recapitalização do banco público implica um apoio estatal de 2,7 mil milhões de euros, a que se juntarão outras formas de capital que podem fazer que a operação a imputar às contas públicas custe cerca de cinco mil milhões de euros. Pode ir à dívida, mas o défice não está a salvo. É o Eurostat que vai decidir..Henrique Medina Carreira, antigo ministro das Finanças, é muito crítico e pessimista: "O PS elaborou um programa orçamental como se a economia fosse crescer 2,5% e não é isso que se passa. Mesmo o crescimento do terceiro trimestre [1,6%] é fraco. O governo está a aplicar uma política de despesa para um crescimento que é metade do que devia ser", diz.."A despesa está a subir e não devia, porque, tendo em conta a nossa dívida e as perspetivas de crescimento, isto nunca pode ser sustentável a prazo. Claro que coisas como o PERES disfarçam o problema, mas é um expediente de curto prazo, só serve agora e para disfarçar a incapacidade de limpar despesa improdutiva. Aliás foi o que aconteceu com os outros perdões fiscais. Fizeram-se três e olhe o que aconteceu", atira o ex-ministro..José Reis, professor de Economia da Universidade de Coimbra, vê coisas boas e más. "Fico admirado com 2,3% quando até há tão pouco tempo tantos declaravam que isso não seria possível. Penso que é resultado de uma gestão orçamental muito aturada ao longo de 2016 que, a meu ver, tem virtudes e problemas. É bom porque, no fim, envia uma mensagem política clara para a Europa, mostra que estamos claramente acima da linha de água. Mas essa mesma gestão - o recurso a cativações, por exemplo - causou muitas dificuldades no serviço público, como sabemos, e isso eu lamento, sinceramente", refere o economista. Relativamente ao PERES, faz só uma ressalva. "Não admiro esse instrumento, acaba por beneficiar injustamente quem se pôs nessa posição de não cumprimento das suas obrigações, e penso nos muitos que têm rendimentos altos e património."