Bazuca Draghi. BCE compra dívida das empresas, mas só as que não têm risco

Taxa diretora a zero e juros negativos nos depósitos dos bancos. Economia do euro vai receber 2,6 mil milhões por dia
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A dívida das empresas da zona euro vai passar a poder ser comprada com o dinheiro da famosa bazuca do Banco Central Europeu (BCE). São 2,6 mil milhões de euros por dia para adquirir dívida pública e privada, mas a má notícia é que só as obrigações empresariais "com grau de investimento" (as boas) é que poderão ser adquiridas. Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças, considera que "assim não adianta, uma vez que os bancos que têm dívida empresarial de risco querem é aliviar o balanço".

O BCE não se limitou a dizer que em abril vai passar o patamar mensal do seu programa de compras, o quantitave easing (QE), de 60 para 80 mil milhões de euros, isto é, mais 240 mil milhões de euros anuais, muito perto dos 252 mil milhões de euros que os países da moeda única vão pagar neste ano só em juros da dívida soberana. Mario Draghi, presidente do BCE, anunciou igualmente que a taxa diretora passa para o mínimo histórico de 0% e a taxa sobre depósitos cai mais dez pontos percentuais, situando-se agora em -0,40%. O mercado já tinha até ultrapassado a decisão quanto à taxa diretora, uma vez que as Euribor usadas nos empréstimos estão negativas. A taxa negativa pretende apenas travar os depósitos dos bancos junto do BCE em favor de um maior financiamento da economia.

Quais são os motivos fundamentais para o BCE usar todo o seu arsenal? A resposta está nas projeções ontem atualizadas. As previsões de crescimento para este ano tiveram um corte de três décimas, para 1,4%, e em 2017 a economia deverá progredir apenas 1,7% (1,9% nas previsões de dezembro). O objetivo mais perseguido pelo BCE, que é ter o índice de preços nos 2%, está cada vez mais longínquo. A instituição monetária baixou a previsão de inflação de 1% para 0,1% em 2016 e no próximo ano o indicador não deve ir além de 1,3% (anterior previsão era de 1,6%).

Ou seja, instituição monetária de Frankfurt está a criar estímulos aos bancos para que estes emprestem mais a todos. As empresas investirão mais, criarão mais emprego e as famílias saem a ganhar e até podem aumentar o consumo, com ou sem ajuda do crédito.

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Mas qual é a grande novidade? "O BCE passa a comprar em mercado dívida de empresas não bancárias, desde que tenham investment grade, ou seja, com menos risco. É positivo para as boas empresas endividadas, que teoricamente baixariam os custos da sua dívida, mas essas já se ajustaram às descidas da dívida soberana", afirma Rui Bárbara, economista do Banco Carregosa, concordando com Teixeira dos Santos quanto ao perigo de acabar por não ajudar a economia. "Lembro que Portugal é o terceiro país europeu onde a banca mais tem créditos de risco. A solução teria de passar pelo concerto do BCE com os governos no sentido de limpar o balanço dos bancos", sugere o ex-ministro das Finanças e atual professor da Faculdade de Economia do Porto.

Segundo a Bloomberg, a compra de dívida soberana começou há um ano e a Alemanha tem sido a mais beneficiada (ganho de 1,7%), sendo Portugal o menos premiado com a ajuda da bazuca (menos-valias de 5%). O Financial Times alertava ontem que o anúncio do BCE já tem um vencedor: o Deutsche Bank. Este banco alemão tem um pacote de 1,75 mil milhões de euros em obrigações convertíveis em ações , que está exposto a perdas quando o capital da instituição desce a certo nível. Ontem, aquelas obrigações ganharam 2%. Um dos motivos foi a vontade de o BCE conceder empréstimos de longo prazo aos bancos, se necessário com juros negativos.

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