Aeroporto faz nascer projetos para novos hotéis no Montijo
Nuno Cruz abriu um restaurante no centro do Montijo no ano 2000. Recebe locais e turistas, muitos encaminhados pelo único hotel que existe na cidade. Tem sentido o aumento de visitantes estrangeiros ao longo dos últimos meses e, com a promessa da abertura da base militar a civis, já pensa em dar novas asas aos seus investimentos. "Sabe, estou a pensar em abrir um hostel. Há aqui muitas casas antigas que com a devida recuperação podem tornar-se espaços bastante agradáveis de alojamento, e o Montijo bem precisa."
Na última semana, andou por Lisboa "a conhecer os dois melhores hostels da Europa", e regressou com vontade redobrada. "Há muitas casas no Montijo com grandes quintais, que são um dos maiores atrativos dos bons hostels que há em Lisboa." Quer avançar com o plano em breve e, quem sabe, abrir portas a tempo das primeiras vagas de passageiros que comecem a chegar à pista que o governo espera ver a funcionar já no final de 2018.
Está longe de ser o único. Nos últimos meses, a autarquia tem recebido contactos e pedidos para a instalação de novos alojamentos na cidade. "Quatro ou cinco projetos", conta um popular ao DN/Dinheiro Vivo. Os números são confirmados por Nuno Canta, autarca da cidade. "Começam a chegar algumas intenções e alguns projetos mais concretos." São "à volta desta ordem, cinco", e envolvem empresas "nacionais e também grupos internacionais".
Uma das empresas em causa, apurou o DN/Dinheiro Vivo, é o Meliá, a casa-mãe do Hotel Tryp Montijo, o único alojamento com classificação de hotel com que a cidade já conta. Associado aos hotéis de aeroporto, tanto em Lisboa como no Porto, o Tryp também poderá vir a abrir portas mais perto do Samouco, a zona da atual base aérea n.º 6 da Força Aérea. Mário Tribuna, diretor-geral desta unidade de quatro estrelas, não levanta o pano aos investimentos, mas admite que "é natural que a zona cresça em alojamentos e oferta". E confirma que o movimento até já começou. "Vão nascer mais hotéis e tenho a certeza de que vão chegar duas ou três cadeias especializadas em gestão de hotéis de aeroporto. Já se nota em alguns portais um forte interesse de grupos na compra ou concessão de unidades nesta região", admite.
Ao hotel Tryp começam também a chegar outras frentes deste maior movimento. "Já estamos a receber manifestações de empresas que vêm fazer estudos de viabilidade para o aeroporto e que já estão a pedir para colocar aqui equipas de engenharia por dois ou três meses. Parece-me que querem fazer aqui uma espécie de base enquanto desenvolvem o trabalho", acrescenta Mário Tribuna.
Neste momento, "o Turismo do Montijo é oriental". Ao final da tarde o hotel enche-se de "chineses, japoneses e coreanos", que respondem por 70% a 80% dos hóspedes da região. Por ser o único hotel, o Tryp conta com uma ocupação média anual de 80%, bem acima da média nacional de 65,23% de 2015 (últimos dados anuais). "Por sermos únicos temos até alguma dificuldade, por exemplo, quando estamos em overbooking, de reencaminhar pessoas para outros lados porque não há", realça Tribuna.
Por agora, contam-se pelos dedos os espaços preparados para receber turistas. Há um hotel, uma albergaria e três alojamentos locais. Há ainda dois motéis e, nas zonas rurais do concelho, quatro unidades que exploram o turismo rural com atividades ao ar livre.
"O aeroporto vai trazer alterações", refere Maria T., de uma imobiliária do centro da cidade. "Já começamos a sentir algum movimento no mercado, especialmente do lado dos pequenos proprietários de terrenos, que vêm mostrar abertura para vender." Este é o primeiro sinal de mudanças, mas não é o único. Numa outra agência de mediação imobiliária alerta-se para o facto de "os preços já estarem a subir cerca de 10%", tanto para compra e venda como para arrendamento.
Quem de um patamar mais desinteressado olha para a extensão da Portela no Montijo, divide-se nas opiniões. Junto ao antigo cais, que há muito já não vê chegar ou partir quaisquer barcos, os populares fazem contas e comparações com a última grande obra que afetou o concelho, há quase 20 anos.
"Quando construíram a Ponte Vasco da Gama eu estava do lado dos que achavam que iria trazer benefícios à cidade. Mas o resultado foi bom para as empresas que construíram a obra e má para todos os outros", conta António Brás. "As rendas hoje são três vezes maiores, pagamos mais IMI, mais esgotos... agora andam todos a comprar casas velhas para depois vender, à espera das grandes obras do aeroporto. Quem aqui vive ganha o quê?"
Não é o único. "Gastámos dinheiro de forma disparatada para construir autoestradas onde ninguém circula e agora não há dinheiro para um novo aeroporto?", questiona José Braz. "Já imaginou o barulho que as pessoas do Samouco vão aguentar? Eu tenho familiares em Camarate e é insuportável..."
Há outros, como Carlos P. , que acreditam nas vantagens. "Parece-me uma medida muito acertada. O Montijo precisava disto. É claro que é preciso fazer algum trabalho, especialmente nos acessos, mas é coisa pouca."
Maria, que trabalha num restaurante no centro, espera que estas melhorias de que Carlos fala acabem por beneficiá-la. Mora no Afonsoeiro, às portas da cidade, mas encontra "deficiências nos transportes públicos" e diferenças de preço que não sabe explicar. "Se eu comprar um bilhete de autocarro aqui na paragem pago 1,80 euros, mas se andar 200 metros e comprar no terminal pago apenas um euro. Como é que se vai explicar aos turistas estas diferenças? É preciso dar uma volta nos preçários. E nas frequências das carreiras", alerta.
Enquanto pensa no novo hostel, Nuno Cruz também aponta os problemas. "Os transportes são o grande problema do Montijo, e desde que os barcos saíram do centro para o Cais do Seixalinho ficámos muito isolados", admite.
As deficiências nas infraestruturas são visíveis para quem visita a base aérea. Há apenas uma estrada para o aeroporto militar, que passa pelo Samouco, estreita, e pouco servida de autocarros. Tudo em volta são caminhos de terra pouco apropriados para grandes movimentos. O governo assina na próxima quarta-feira o acordo com a ANA para fixar a localização da nova pista aeroportuária no Montijo. Os acessos vão lá estar, garante Nuno Canta, presidente da câmara.