O ex-treinador de FC Porto, Sp. Braga e Paços de Ferreira caminha a passos largos para o seu primeiro título de campeão, com o Shakhtar, mesmo sendo obrigado a jogar e a trabalhar longe de Donetsk devido ao conflito bélico na Ucrânia..É líder, sem derrotas e com 14 pontos de vantagem sobre o Dínamo Kiev,o atual campeão. O Shakhtar tem tudo para reconquistar o título que lhe fugiu nas duas últimas temporadas..Está bem encaminhado. Não estava nas nossas previsões nesta altura termos tantos pontos de vantagem porque o Dínamo Kiev é bicampeão, dominou os últimos dois anos. Desde que o Shakhtar saiu de Donetsk não voltou a ser campeão e é claramente o objetivo principal para esta época..O Shakhtar tem como objetivo acabar o campeonato sem derrotas e superar o recorde do Dínamo Kiev de Valeriy Lobanovskiy, que em 2000 foi campeão com 18 pontos de vantagem?.Gostávamos de quebrar esse recorde e de acabar o campeonato sem derrotas mas estamos concentrados em sermos campeões. Esses dois objetivos são importantes, mas secundários. Alcançado o primeiro objetivo, trataremos dessas duas metas de enorme prestígio..Como é treinar uma equipa que não joga na sua cidade e que faz a sua vida em Kiev, onde está sediado o seu grande rival? É quase o mesmo que o Benfica passar a treinar no Porto?.Este era um cenário esperado na altura em que assinei pelo Shakhtar. Sabíamos, eu e os meus adjuntos, aquilo que vínhamos encontrar. Não é fácil. O Shakhtar está instalado em Kiev desde que saiu de Donetsk em 2014, as condições são as possíveis, mas não é fácil não ter uma casa própria. Até há bem pouco tempo jogámos em Lviv, que é longe de Donetsk, e onde praticamente não temos adeptos. É um estádio magnífico mas com um cenário desolador. Atualmente jogamos em Kharkiv; devido à proximidade com Donetsk, já temos mais apoio mas não é a mesma coisa que jogar em casa. O ideal seria jogarmos na Donbass Arena. Estas são dificuldades que a equipa tem contornado mas há um transtorno. Aliado a isso estamos sempre em viagem, temos de viajar para jogar fora e em casa..Como é que uma equipa técnica com cinco portugueses vive o conflito entre as forças ucranianas e os separatistas pró-Rússia? Sente-se no dia-a-dia?.Não, não. De todo. Existe nas pessoas, que trabalham no clube e toda a estrutura teve de vir de Donetsk, a preocupação em relação à situação que se vive em Donetsk, mas é algo que não tem influenciado a equipa....... não há conversas no balneário sobre este conflito? Deve haver jogadores afetos às duas fações....Penso que não. Existe, isso sim, preocupação, porque têm a família e amigos em Donetsk mas essa situação não se sente nem influencia a equipa..Isso quer dizer que viver em Kiev é a mesma coisa que estar noutra cidade segura de qualquer zona da Europa?.Sim. Nós não sentimos minimamente o conflito. Aliás, nas outras cidades ucranianas em que jogámos não se sente o conflito, não há o mínimo sinal. Não vivemos num cenário de guerra. Temos uma vida normal, é seguro passearmos nas ruas. Kiev é uma cidade tranquila, bonita. Tirando a região de Donetsk, é agradável viver na Ucrânia..Este conflito tende a arrastar-se. Tem contrato até junho do próximo ano.Já pensou na hipótese de não orientar o Shakhtar um único jogo em Donetsk?.[silêncio] Essa é uma possibilidade real, mas espero estar aqui o tempo suficiente para poder jogar naquele magnífico palco que é a Donbass Arena. Tenho tentado informar-me e por aquilo que vou ouvindo a resolução do problema não está para os próximos tempos e tem havido cessar-fogos violados sistematicamente..Reparei que o Shakhtar e o Dínamo Kiev reforçaram-se pouco. Isso tem que ver com o conflito?.Não sei se é influenciado diretamente pela guerra, mas há uma situação de instabilidade e os clubes têm tentado conter-se nos seus investimentos. Há a tendência para se apostar no futebolista ucraniano. Estamos a falar de um país com cerca de 44 milhões de habitantes e uma grande paixão pelo futebol. Num cenário de crise, esta é uma oportunidade para os clubes apostarem na prata da casa. E existe aqui grande potencial, até porque os jogadores são dedicados, trabalhadores e abertos à aprendizagem..Também se torna mais fácil apostar no futebolista ucraniano por ser mais complicado convencer um jogador de qualidade a jogar, agora, na Ucrânia?.Comigo ainda não aconteceu, mas já pensei sobre isso e claro que é difícil, apesar da capacidade financeira dos clubes ucranianos. Poderá ser um entrave a instabilidade, mas o que as pessoas não sabem é que entrando na Ucrânia não se sente a guerra..Voltando à parte desportiva: está quase a conseguir o título de campeão. Era um objetivo de vida?.Era um objetivo traçado. Daí a minha opção em vir para a Ucrânia, porque analisei a proposta e senti que tinha condições para conquistar o meu primeiro título de campeão..Sente-se esquecido ou pouco valorizado na Ucrânia por comparação com outros treinadores portugueses no estrangeiro?.Não tenho esse sentimento mas percebo que outros treinadores, noutros campeonatos de maior visibilidade, tenham outro destaque. Imagino que as pessoas pensem que o campeonato ucraniano não tenha um grande nível, o que não é verdade. O Shakhtar não é campeão há dois anos, há alternância. Eu próprio vim substituir um treinador que esteve aqui 12 anos e não era uma tarefa fácil mas acho que me adaptei bem e conquistando o título as pessoas vão reconhecer o nosso mérito..A esta hora em que falamos estão a disputar-se jogos da Liga Europa. Após triunfar em Vigo, o que faltou para seguir em frente? A paragem de inverno foi determinante?.Isso é uma contrariedade, mas não há outra forma de contornar as dificuldades no inverno. No entanto, no jogo com o Celta não foi esse o problema. Fomos afastados com um erro do árbitro, senão ainda estávamos na Liga Europa. Foi uma grande injustiça a nossa eliminação e toda a Europa percebeu que o Shakhtar foi eliminado por um árbitro e não pelo Celta de Vigo..Passando o Celta, o Shakhtar podia começar a acreditar na final de Estocolmo?.Vendo as equipas em competição, tínhamos esperanças em ir mais longe, mas não adianta pensar mais nisso..Portugal ficou sem equipas portuguesas nas provas europeias. Isto quer dizer alguma coisa ou é só futebol?.Não é só futebol, há que fazer uma análise realista. Há um poder financeiro nos principais campeonatos que Portugal não tem. Têm-se feito em Portugal autênticos milagres, mas a realidade é esta: não há como combater o grande poder económico de Inglaterra, Espanha, França. É muito difícil fazer frente a equipas que podem comprar os melhores jogadores. Mesmo com essa dificuldade, Portugal continua a ser um dos melhores países formadores. Continuamos a exportar talentos de grande qualidade. Não só jogadores, mas também treinadores. Veja-se a importância dos nossos treinadores nos principais campeonatos. Isto é sinal de que em Portugal se trabalha bem. E tenho a certeza de que o jogador e o treinador português nos próximos tempos vão ser ainda mais valorizados..Já disse que Pep Guardiola é um dos treinadores em que se inspira. Como viu a eliminação do Manchester City diante do Mónaco de Leonardo Jardim?.Sou um grande admirador de Guardiola e da sua ideia de jogo, mas o Mónaco passou com todo o mérito, o Leonardo Jardim está a fazer um enorme trabalho e eu fiquei muito feliz com a qualificação do Mónaco. Penso que Guardiola ainda está a tentar encontrar um caminho e o campeonato inglês tem uma especificidade única e ele estará a tentar descobrir uma ideia de jogo que o tem caracterizado e que ainda não conseguiu em Inglaterra. Na Premier League há cinco/seis equipas que fizeram investimentos para terminarem em primeiro. Na Espanha e na Alemanha é diferente e isso tem criado dificuldades à sedimentação de uma ideia de jogo de um treinador. Depois, os resultados não têm ajudado a convencer as pessoas e, sobretudo, os jogadores..É muito ambicioso desejarmos que José Mourinho vença a Liga Europa e Leonardo Jardim a Liga dos Campeões?.Se pensarmos no que têm vindo a fazer, é uma forte possibilidade. E eu assim espero que aconteça. No meu caso, vou estar a torcer para ver um treinador português a conquistar um título europeu..Houve algum momento da carreira do Shakhtar na Liga Europa em que tivesse imaginado encontrar-se na final de Estocolmo com o Manchester United de José Mourinho?.[risos] Sinceramente imaginei [risos]. Gostaria muito que isso tivesse acontecido e a dado momento senti que esse era um cenário possível. Espero que no futuro isso possa ocorrer, até porque o Shakhtar é uma equipa forte, que em Portugal lutaria pelo título. O próprio Dínamo Kiev seria um sério candidato ao título em Portugal..À distância, como vê esta luta entre Benfica e FC Porto pelo título português?.O jogo entre os dois, na Luz, pode esclarecer alguma coisa, mas sinto que vai ser até ao fim. Qualquer das equipas pode ser campeã. É certo que ainda faltam algumas jornadas, mas estou a ver o título ser disputado até ao último minuto..Torce por alguém?.Não, não. Que vença o melhor e com mérito, porque assim é que deve ser..Não vê nenhum favorito?.Não, não vejo. Obviamente que o Benfica está em primeiro mas o FC Porto está na luta..Ainda há muita gente a lembrar-se de que o último treinador do FC Porto a levantar um troféu dá pelo nome de Paulo Fonseca..[risos] Não tenho muito a dizer sobre isso. FC Porto é passado para mim. Foi um ano em que os resultados não foram aqueles que projetei mas em termos de caminho e de aprendizagem foi um período muito importante para mim e é isso que eu quero reter da minha passagem pelo FC Porto..Na próxima época vamos ver o Paulo Fonseca à frente do Shakhtar?.Provavelmente. Acho que sim, tenho contrato até junho de 2018, sinto-me muito bem aqui. Sinto-me muito valorizado. Estou num enorme clube, tenho um plantel de qualidade e espero, na próxima época, disputar a Liga dos Campeões com o Shakhtar..Se responde "provavelmente" é porque não garante a permanência no Shakhtar a 100%..Acho que é garantido, só se acontecer alguma coisa de anormal.