As peripécias do abandono de Carlos Sousa
Carlos Sousa, que passou por momentos muito complicados na quinta etapa, foi obrigado a desistir do Dakar 2016, o 17.º da carreira. O piloto português da Mitsubishi esteve perto de cair numa ravina com mais de mil metros e correu risco de hipotermia a mais de 4200 metros de altitude. Ao DN contou como viveu essa experiência, ainda sem saber se este foi o seu último rali.
"Foi bastante complicado. Quando começamos pensamos que estamos preparados para tudo, mas não. Há coisas que não nos passam pela cabeça...", começou por dizer o piloto, explicando o que aconteceu. "Fizemos a etapa debaixo de calor intenso e pó espesso, mas a 130 km da meta e a quatro mil metros de altitude, de repente, começou a chover granizo e o vidro do carro embaciou. Não via nada e abrandei, não quis parar... foi uma questão de segundos. Disse ao Paulo Fiúza (navegador) para ligar uma tomada de ar para o vidro limpar e de repente senti o carro cair um pouco e inclinar", contou ao DN. Longe de saber a "verdadeira" situação, o piloto saiu do carro, tal como o navegador, que teve de sair pelo seu lado, e viram que o carro estava no cimo de um penhasco com mais de mil metros e apenas preso por duas pedras: "Estávamos fora do carro, ninguém parava. O João Franciosi, nosso colega da Mitsubishi Brasil, ainda tentou ajudar, mas na posição em que o carro ficou só mesmo com a ajuda de um camião." E nem assim foi possível. O carro ainda lá está...
Quando viu o carro à beira da ravina o que pensou? "Pensei: que raio... No Dakar, os acidentes e os incidentes fazem parte da prova e desde que não haja feridos os pilotos resignam-se e aceitam, porque se o carro não tem condições para continuar não há nada a fazer. Mas neste caso o carro ficou ileso."
O acidente ocorreu às 14.00 e, às 17.00, Sousa e Fiúza ainda estavam no local. "Chovia sem parar e a temperatura baixou para cerca de zero graus, ficámos em mau estado, ninguém parava e não podíamos entrar no carro. Ao fim de cerca de duas horas, os médicos insistiram para que abandonássemos o local, porque não nos deixariam passar ali a noite, e fomos retirados de helicóptero dado o risco de hipotermia", contou Sousa, explicando que "as condições climatéricas e o estado do terreno não davam garantias de colocar de novo o carro em pista". E por isso desistiu: "Não queria, mas teve de ser."
Sem carro, foi de táxi...
No entanto, a aventura estava longe de acabar. "Sem carro, tivemos de apanhar um táxi até à partida da 6.º etapa. Foi uma viagem de mais de cinco horas e só me vou embora amanhã (hoje). Quem abandona não pode continuar na caravana e por isso vou ter de me ir embora."
O piloto português, que em 2003 conseguiu a melhor classificação (4.º lugar), lamenta ver que "o Dakar se transformou numa prova de equipas para ganhar e não de pilotos que querem correr - e vencer também, claro." Perdeu-se o fair play e o companheirismo, diz. "Completamente. Hoje, os pilotos passam rápido e não param por nada. Dantes, havia um sentido de entreajuda e companheirismo quase obrigatório entre pilotos", disse, com saudades do pó africano.
Carlos Sousa sabe que o Dakar pode voltar a África em 2018: "Até aqui já se comenta que este pode ser o último rali, o taxista que nos levou perguntou-nos isso. Seria um prazer enorme voltar a Angola. Muito simpático mesmo." Seria esse um bom epílogo para as aventuras de Sousa no Dakar? "Já pensei em desistir muitas vezes, custa muito abandonar assim. Eu costumo entrar no top 10 e sair desta forma dói", desabafou, explicando que o futuro depende de uma proposta de uma equipa de topo e de o rali mudar ou não de continente.