"O Opus Dei não gostou e o livro foi colocado no índex"
Após o romance, Passagens, já chegou às livrarias a sua mais recente coletânea de contos de Teolinda Gersão, Prantos, amores e outros desvarios.
Logo ao primeiro conto desafia Deus. Não se preocupa com a reação de alguns leitores?
No momento em que se mata é-se por um instante quase Deus. É isso que caracteriza essa personagem, loucamente apaixonada e de sentimentos extremos. Portanto, não me preocupo com o que leitor pensa, nem que a igreja me ponha no índex. Já não há inquisição para me queimarem como bruxa.
Isso já lhe aconteceu?
Tive um conto, O Mensageiro, que o Opus Dei não gostou e foi colocado nessa lista de livros proibidos.
Quanto à outra inquisição, a crítica literária?
Os críticos podem contribuir para fazer ou desfazer um livro, mas não têm o poder de me enviarem para a fogueira. É a morte do artista quando se está preocupado com o que pensam, porque são falíveis e o escritor só tem compromisso consigo e com o leitor abstrato.
Escolhe o conto ou vice-versa?
Impõe-se. Vou deixando amadurecer, até começar a ver tudo nítido e ser obrigada a passar à escrita. É uma intuição, sentimento em que confio muito, porque isto não se controla. Não é como o oleiro.
Nos romances, acontece igual?
Aí é mais fácil fugir ao controle, pois se não se respeita a personagem falha tudo. Vou atrás dele como se fosse meter-me na pele, de modo a ganhar identidade. Não sei aonde me leva, até posso confrontar-me com o meu lado mais sombrio.
O que é o lado mais sombrio?
A escrita que me interessa é visceral e vem do inconsciente. Racionalizo muito pouco, mesmo que na vida real tenha os pés no chão.
O conto que refere Lewis Carroll foi planeado e não é só inspiração.
Tem bastante investigação, muita da qual fiz enquanto estava em Berkeley, porque as personagens existiram. Informei-me dos factos que acompanharam a história da escrita do livro, porque Carroll fotografava as meninas nuas. Além de que sempre me interroguei sobre a causa da atmosfera sombria do Alice no país das maravilhas, um livro de que nunca gostei em criança por ser absurdo e terminar a dizer que foi tudo um sonho. Assim qualquer um escreve um livro.
Há outros livros que a irritam?
Ou os que me fascinam: Kafka. É uma obra psicótica, mas à qual volto muito em pequenas doses. Ou Cesário Verde, por ser moderno e ter um olhar limpo do romantismo. E há os que me fascinam e irritam, como Eça de Queiroz, porque tudo nele é teatro e estamos a ver o que se passa. Entretanto, está sempre a diminuir o país, a "choldra".
Escreve num dos contos sobre "o momento fulgurante em que ele se tornou escritor". Qual foi o seu?
Não tenho, sempre quis escrever e desde a escola primária que o faço. A minha vida sempre foi centrada na escrita, embora tenha feito outras coisas, porque um escritor que não tenha independência económica arrisca imenso. Adorei ser professora e só comecei a publicar após o doutoramento e filhas crescidas. Agora tenho o meu tempo.
O seu primeiro romance, O silêncio, recebeu logo o prémio Pen Club. Foi um peso ou inspirador?
Nunca levo muito a sério essas coisas, só a escrita. Não penso na carreira do autor, nem no lugar que ocupo entre escritores. É outra vez a morte do artista. Ganhar o prémio foi bom, mas também disse que antes do sexto livro era cedo. Já vou no décimo sétimo.
Quase todos premiados!
É gratificante ver o trabalho reconhecido, mas gostaria de ser muito mais lida e de chegar a mais gente, mas essas oportunidades em Portugal são só para os jovens autores. Interessa muito aos editores e ao mercado a idade da pessoa, a fotogenia e muito do não literário que contribui para lançar um escritor. Há uma fixação nos autores revelação, que desaparecem depois de um primeiro livro que vende muito. Pode ser muito traumático e há muitos autores que desaparecem.
Ficam pelo primeiro sucesso?
Há os com muito talento que farão belas carreiras literárias. O estranho é que quando sai um livro de um jovem autor que ninguém conhece, ele aparece em todas as capas. Não o vou ler a correr, espero cinco anos e logo se vê o que vale.
Este Prémio Fernando Namora pode aumentar os seus leitores?
Não sei até que ponto os prémios contribuem para o conhecimento nem que peso têm na difusão dos livros. Algum terão, mesmo que com tantos que já recebi não o veja correspondido entre o número de leitores. Estou na carreira literária há 35 anos e há jornais que me ignoraram durante anos a fio. Mas não levo isso a peito, apesar de mais de metade da minha bibliografia ser brasileira ou estar traduzida nos Estados Unidos. Gostava de chegar a mais leitores em Portugal, e isso não tem acontecido.