O melhor do fotojornalismo no Museu de Etnologia
Filipinas, Roménia e Síria. Até 2017, nenhum fotógrafo destes três países tinha vencido um prémio de fotojornalismo. Este ano, à boleia da atualidade, um filipino captou o que se passa na prisão mais sobrelotada de Manila, um romeno esteve na fronteira com a Grécia e com os seus refugiados e dois fotógrafos sírios captaram, divulgaram, o que se passa "à porta de casa", nas palavras de Suzan van den Berg, curadora da exposição World Press Photo, até 22 de maio na galeria de exposições temporárias do Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa.
E entre as 155 imagens da exposição está também a fotografia de todas as polémicas, da autoria do repórter fotográfico turco Burhan Ozbilici, a melhor do ano e vencedora na categoria de reportagem, a do assassinato do embaixador da Rússia na Turquia, Mevlüt Mert Altintas.
Vencedora é "muito gráfica"
Polémica no momento em que aconteceu, dezembro de 2016 (devia ou não ser mostrada?), voltou a gerar controvérsia durante as reuniões dos nove jurados do World Press Photo. Cinco membros votaram a favor e entre eles não estava o presidente do júri, o fotógrafo Stuart Franklin, que escreveu um artigo de opinião, justificando e demarcando-se da escolha, que é obrigatório relembrar agora. "É a imagem de um assassinato, com o assassino e o morto, ambos na mesma fotografia, e moralmente é tão problemático como publicar um terrorista a decapitar a vítima".
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"É um assunto delicado", concorda a curadora Suzan van den Berg, frisando que a divergência de opiniões não é assunto novo dentro da organização não lucrativa que é a World Press Photo, sediada na Holanda. "Acontece regularmente o debate em torno das histórias vencedoras", continua. "Temos um júri independente, com opiniões distintas e não é unânime. Na verdade, é normal o presidente ter uma opinião diferente e ele tem uma boa opinião sobre esta reportagem, só não como fotografia do ano", ressalva. As opiniões do júri podem ser ouvidas num vídeo que também está na exposição.
Suzan van den Berg (curadora com Sophie Boshouwers) aceita que a fotografia de Burham Ozbilici "é muito gráfica". "É uma imagem que amplia o debate. Claro que mostra um assassinato, mas também mostra muito mais do que isso. Mostra a interação entre a Rússia, a Turquia e a Síria hoje e isso é também uma das razões por que esta fotografia é tão importante. O trabalho contém um certo simbolismo".
As reportagens premiadas serão mostradas em 45 países e em cem locais diferentes, sempre com uma condição: "Mostrar todas as fotografias premiadas". "Por vezes, há pressões para não mostrar tudo", admite. Além de Portugal, onde poderá ser vista em Lisboa e a partir de 26 de maio no Fórum da Maia, há de passar por Espanha, Itália, Bielorrússia, Nova Zelândia, Canadá, México, Chile... mas não na Turquia, onde tudo se passou, confirma a curadora. "Não sei por que razão, se tem a ver com o tema", afirma. "Ainda assim há pessoas na Turquia que querem ver e estamos a contar uma história, não é ativismo político".
Fotos: belas ou difíceis de ver
Sobre a exposição (organizada em parceria com a revista Visão), a curadora diz que "algumas fotos são belas, outras obrigam-nos a enfrentá-las e são até difíceis de ver, mas o seu impacto é sempre significativo. São histórias que acontecem todos os dias".
"A exposição deste ano mostra uma variedade de assuntos de todo o mundo. Da vida na ilha da Salvação, na Rússia, às mudanças em Cuba ou os efeitos do vírus Zika no Brasil até uma mulher americana negra que enfrenta a polícia numa manifestação", elenca a curadora, numa breve apresentação da exposição, destacando os trabalhos dos dois sírios, Walid Mashhadi e Abd Doumany, "dois fotojornalistas sedeados na Síria, que mostram o que se passa à porta das suas casas."
Walid Mashhadi começou a fotografar aos 18 anos e tem atualmente 21. O trabalho que submeteu à apreciação do júri mostra homens transportando bebés, em Aleppo, num dia em que o cessar-fogo ia ser quebrado. As legendas que acompanham o trabalho, intitulado Resgatados da borracha, sublinham a sua importância. "Das 250 mil pessoas que viviam em Aleppo, cerca de cem mil eram crianças. Os civis enfrentaram severos cortes de alimentação e combustível. Infraestruturas básicas e cuidados de saúde foram encerrados". Abd Doumany, 26 anos, é o outro sírio distinguido. O trabalho, Médicos assistem uma menina ferida, difundido pela AFP (como o anterior), documenta o sofrimento de uma criança, ao lado de outra, num hospital em Douma, a noroeste de Damasco.
"Infelizmente, estas notícias dominam o noticiários e têm de estar no World Press Photo", diz, rodeada das imagens vencedoras dos prémios de reportagem. A saber, o assassinato do embaixador da Rússia na Turquia e as imagens dos barcos sobrelotados de refugiados do Mediterrânea, pela lente do britânico Mathieu Willcocks. A regra de que fala Subam Ivan den Berg - se está nas notícias, está no World Press Photo - lê-se também na vitória do romeno Vadim Ghirda, que fotografou refugiados a atravessar o rio Mala Reka na fronteira grega, e dois projetos oriundos das Filipinas, a propósito das medidas de combate ao tráfico de droga do presidente Rodrigo Duterte, que se revelam no trabalho do australiano Daniel Berehulak, They Are Slaughtering us Like Animals, publicada originalmente no The New York Times, e na reportagem do filipino Noel Celis, na cadeia da cidade de Quezon, pensada para 800 pessoas, com condições para 278, segundo as Nações Unidas e atualmente ocupada por 3800 reclusos.
As fotografias vencedoras foram escolhidas entre mais de 80 mil, de 5034 repórteres fotográficos de 126 países.
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A saber:
Exposição World Press Photo
Lisboa - Museu Nacional de Etnologia (Avenida da Ilha da Madeira, até 22 de maio.
Aberta de quarta-feira a domingo, das 10.00 às 18.00; à terça-feira, das 14.00 às 18.00; encerra à segunda-feira.
Bilhete: 3euro (adulto); desconto de 50% para estudantes, maiores de 65 e portadores de deficiência; entrada gratuita para grupos escolares, crianças até aos 12 anos e desempregados
Maia - Fórum da Maia (rua Eng.º Duarte Pacheco), de 27 de maio a 16 de junho.
De segunda a sábado, das 09.00 às 23.00; aos domingos, das 10.00 às 18.00