"Nasci numa manhã cinzenta com música a entrar-me nos ouvidos", diz uma canção da dupla Simon & Garfunkel. O título é Baby Driver. Não por coincidência o mesmo deste novo filme do inglês Edgar Wright (a partir de hoje nas nossas salas escuras) e do seu protagonista, um jovem que parece ter nascido com fones nas orelhas, dependente de uma sinfonia constante para garantir o ritmo de cada dia. Ou, mais precisamente, para garantir uma boa performance ao volante, no seu trabalho obscuro como condutor de fuga de assaltos..[youtube:z2z857RSfhk].O filme, que em português ganhou o subtítulo vulgar Alta Velocidade, não perde tempo em definir a natureza do seu espetáculo: logo na sequência de abertura há uma notável demonstração do jogo rítmico, com os assaltantes a postos e a consequente debandada, compondo-se uma coreografia entre música (no caso, Bellbottoms, por The Jon Spencer Blues Explosion), gestos e ação. Mas se esse início marca pontos na originalidade, não será exatamente assim com o resto da fita..Interpretado pelo ator que entrara antes em A Culpa é das Estrelas e na série Divergente, Ansel Elgort, Baby é um rapaz silencioso, que se move neste universo do crime com uma aparência cool e uma discreta reserva moral. Sobre o seu passado doloroso vão surgindo uns flashbacks que ilustram a razão pela qual necessita de música em permanência nos ouvidos: tem zumbido num dos tímpanos. Além disso, vive com o pai adotivo que, a reforçar o quadro dramático, é surdo-mudo e está numa cadeira de rodas... Haverá algum lampejo de sorte na sua vida? Há de aparecer. Chama-se Debora, é empregada de mesa e, veja-se o acaso, quando passa por ele canta em voz alta B-A-B-Y (música de Carla Thomas), que está a ouvir nos auscultadores. São almas gémeas que anseiam fazer-se à estrada, sem planos, para viverem quilómetros de felicidade. Se isto soa a cor-de-rosa, é porque é mesmo..[youtube:ZbYV3TOr3fk].Edgar Wright vai assim gerir o tom de Baby Driver - Alta Velocidade a partir desta colisão entre o mundo do crime, aqui chefiado por Kevin Spacey, e a fantasia amorosa algo evocativa (ainda que de forma involuntária) de um La La Land. Tal como o protagonista escolhe obsessivamente a playlist para todas as circunstâncias, o próprio filme acaba por ficar subordinado à estratégia musical, não se libertando do programa definido para criar uma atmosfera repartida entre ação em grande estilo e romance moderno de um Romeu e Julieta. A alusão a Bonnie & Clyde, que a certa altura se pode ver no par, surge, já estafada, num filme com as costuras à vista e pesado de referências. Entre elas o cinema de Tarantino e, particularmente, O Profissional, de Walter Hill..Baby Driver resulta de um projeto fermentado durante anos pelo realizador, cuidadosamente pensado, desde o elenco (com Jamie Fox e Jon Hamm) à qualidade da banda sonora, mas o uso excessivo que dela se faz, e mesmo o redundante efeito de citação, fragilizam o modelo..Os acordes estão lá todos, o cinema é que vacila.