As leis de Murphy ou a recusa do óbvio do ex-Bahaus

Peter Murphy podia ter sido um rei da pop, mas preferiu uma via mais pessoal nas canções. Em Portugal, percorre em formato acústico toda a carreira e junta algumas surpresas
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Quem for à procura de reativar, nos concertos de Lisboa e Porto, os momentos vividos nas décadas de 1980 e 1990, quando Cuts You Up e The Scarlet Thing In You ajudavam a encher as pistas de dança criteriosamente selecionadas, dificilmente evitará um suspiro de desilusão. Nem essas canções constam do alinhamento dos espetáculos já cumpridos por Peter Murphy na Stripped Tour, nem o modelo escolhido pelo cantor e autor viabilizam o acesso aos momentos mais pop-rock do seu percurso, pelo menos com os perfis que conhecemos, cantámos e fixámos.

Mesmo convocando de forma abundante o reportório dos Bauhaus, banda que Murphy liderou e que conquistou lugar de mérito na mitologia do rock gótico (chamemos-lhe assim para simplificar), dir-se-ia que os hinos - Kick In The Eye, Spirit, She"s In Parties - também ficam de fora, havendo, a cumprir-se o passado recente, uma escala em Bela Lugosi"s Dead "dentro" de A Strange Kind Of Love.

Por muito que isso nos custe, preparados que estamos para um bom revivalismo, o tempo pode dar razão ao que parece apresentar-se como uma das leis de Murphy. Uma das imagens mais fortes do cantor, que o cinema ajudou a perpetuar na cena inicial de Fome de Viver, realizado por Tony Scott, em que as câmaras se viram sobretudo para o vocalista dos Bauhaus, enjaulado, provocador, quase demente, "esquecendo" (por força do desempenho magnético do músico) as estrelas Catherine Deneuve e David Bowie.

Hoje, Peter Murphy mantém as maçãs do rosto salientes, o olhar penetrante e perturbador, a figura esguia. Mas já não se move como antigamente, quando evocava Bowie ou Iggy Pop, e não faz por esconder o inexorável avanço da calvície. Além disso, nesta digressão "despida", há, além do protagonista, apenas mais dois músicos em palco: Emilio China e John Andrews (ou Loudboy, como também é conhecido), ambos dedicados aos instrumentos de corda, como guitarra, baixo e violino. Nada de percussões, portanto.

Mesmo que Murphy tenha deixado, no seu site, um aviso aos fãs, garantindo que "os três valeriam por cem", percebe-se que houve uma opção estética tão clara como radical. Nada que se estranhe, diante deste homem que caminha para os 59 anos e que há muito se tornou conhecido por nunca escolher os caminhos mais fáceis.

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