Adeus Mel Gibson, olá Tom Hardy e Charlize Theron

Trinta anos depois, a saga está de volta, no casaco de couro de Tom Hardy e no olhar furioso de Charlize Theron. O sentido de <em>Estrada da Fúria </em>é o mesmo: sempre em frente
Publicado a
Atualizado a

Um homem e um carro são, em si, um programa, e Mad Max começou por sê-lo, nessa singularidade. De volta ao percurso retilíneo em Estrada da Fúria, o papel que estávamos habituados a ver em Mel Gibson surge agora na rouquidão de Tom Hardy, ao lado de Charlize Theron, com cabelo à escovinha e olhar duro. Chegada uma nova guerreira da estrada, o carro já se transformou num camião de guerra, e o protagonismo passa a ser partilhado.

Max, atormentado por visões de crianças que não conseguiu salvar no passado, vai encontrar-se novamente numa desesperante missão para salvar um grupo de belas e jovens mulheres que, mantidas em cativeiro, asseguram a descendência do senhor da guerra: Immortan Joe. Charlize Theron, Furiosa de nome, é a líder ao volante. Esta nova versão da saga Mad Max (a quarta) surge num cenário cujas dimensões se desenham numa espécie de Metropolis, de Fritz Lang. Um cenário que se tinha deixado em Além da Cúpula do Trovão (1985) e que se regenera no alucinante poderio instrumental punk da banda sonora.

[youtube:b_4nzm9ICuo]

O filme é o primeiro da série sem Mel Gibson. Inspirado na crise do petróleo de 1973, que incrementou a violência rodoviária entre motoristas por todo o mundo, o primeiro Mad Max - As Motos da Morte , apresentava-nos já as estradas do interior da Austrália como o cenário seco e desconfortante desse mundo para lá da civilização. E, aqui, o que remanesce de força policial, depois dos ataques bárbaros de motociclistas saqueadores, converge para a figura de Max Rockatansky, impelido por sentimento pessoal de vingança, depois da morte da mulher, do filho e do melhor amigo. A justiça perdeu mais um crente, mas o cinema ganhou um ícone.

Nesta primeira experiência de produção e de realização de longas-metragens, George Miller, com um orçamento modesto, empenhou-se num desafio tão anárquico e arriscado quanto o ambiente refletido no filme. É de muitos ossos partidos e acrobacias insanes que se faz As Motos da Morte, para iniciar uma trajetória de direção única: sempre em frente.

Tendo custado uns míseros 380 mil dólares (valor particularmente impressionante dado o gasto material que é bem explícito na ação global), arrecadou mais de cem milhões no mundo inteiro, o suficiente para entrar no Guinness Book of Records como o filme mais rentável de todos os tempos, um lugar que assegurou durante quase vinte anos, até à chegada de O Projeto Blair Witch (1999). Ainda assim, nem todos os países estrearam o inaugural Mad Max nas suas salas, contando-se o caso mais flagrante no vizinho da Austrália, a Nova Zelândia, que justificou a proibição com a cena da morte a fogo de Jim Goose (Steve Bisley), a qual seria demasiado semelhante a um então recente incidente de gangues ocorrido em terras neozelandesas. Da mesma forma, a Suécia também proibiu o filme, especificando as razões no carácter "antiquado" das cenas de violência.

Com três sequelas Mad Max reinventou-se ao longo da sua própria evolução: O Guerreiro da Estrada (1981), Além da Cúpula do Trovão (1985) e, finalmente, Estrada da Fúria (2015), com Tom Hardy a garantir a juventude de Max. O que sucede de uns filmes para os outros são conjunturas pós-apocalípticas que, na sua representação do futuro, regressam cada vez mais à representação do passado, às sociedades primitivas, sem lei, onde o poder pertence a quem ainda possui pedaços da tecnologia e dos instrumentos que levaram à destruição do mundo - seja um veículo de transporte, seja a energia que o faz andar. Nunca o combustível mereceu tanto a designação de "ouro negro". Percebemos que a humanidade entrou num caminho sem saída, em que a premissa da sobrevivência anulou a ordem.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt