Estuda aquilo que para a maioria é um nó na cabeça: a origem da vida. Como é viver com estas perguntas sempre?.É uma grande alegria. Faço o meu trabalho com enorme paixão e, agora, já com uma equipa, fazê-lo em Portugal é a realização de um sonho, por muitas horas que passe a trabalhar. Estive 16 anos fora, há um ano regressei e foi sempre esse o meu objetivo: trazer a astrobiologia para o país. É fantástico..E a astrobiologia é exatamente o quê?.É uma ciência interdisciplinar que estuda a origem e evolução da vida na Terra e a existência de vida noutras partes do nosso sistema solar. Temos cientistas das mais diversas áreas a trabalhar e isto é importante porque, ao passo que há trinta anos tudo era mais estanque, hoje não, a ciência é interdisciplinar, o que torna mais fácil atingir os objetivos. Neste caso, perceber como surgiu e evoluiu a vida na Terra e se existe vida noutras partes do nosso sistema solar e até do universo..Defende a teoria que diz que as moléculas orgânicas, fundamentais para a criação de vida, vieram todas de fora da Terra. O homem pode descender de vida extraterrestre?.Não, isso são coisas completamente diferentes. Essa teoria de que o homem descende de extraterrestres é chamada panspermia e nem eu nem a maioria da comunidade científica a apoia. Antes de mais, não há provas disso, nem sequer da existência de vida extraterrestre. O que sabemos hoje é que, aqui na Terra, houve uma evolução a partir de moléculas mais simples, que não são vida, para uma célula, a unidade básica da vida e depois para microrganismos e seres vivos mais complexos..E como é que isso aconteceu?.Pois, este salto entre moléculas orgânicas (não-vida) e as primeira formas de vida é que ainda não se sabe como se deu. Há quem defenda que essas moléculas foram sintetizadas no fundo dos oceanos da Terra primitiva, nas fontes hidrotérmicas, entre 4 e 3,7 mil milhões de anos. Por outro lado, há quem defenda (uma teoria não exclui a outra) que essas moléculas orgânicas fundamentais para construir as primeiras células e mais tarde seres vivos mais complexos podem ter sido sintetizadas fora da Terra e trazidas por cometas e meteoritos. Houve um período na história do planeta Terra em que este foi fortemente bombardeado por meteoritos e asteroides - entre a formação do nosso sistema solar e 3,8 mil milhões de anos - e essas moléculas orgânicas, que, é importante reforçar, não são vida, foram trazidas para a Terra. Quando é que a vida surgiu? Entre 3,5 e 3,8 milhões de anos atrás. E, de acordo com o que sabemos até agora, a Terra é o único lugar que tem vida..Quando estava na NASA conseguiu provar que compostos orgânicos encontrados em meteoritos tinham sido formados fora da terra e não resultavam de contaminação terrestre. Esta descoberta foi importante em que sentido?.Os meteoritos são rochas extraterrestres que na maior parte dos casos vêm de asteroides que se encontram na cintura de asteroides entre Marte e Júpiter. Quando analisamos meteoritos, o objetivo é ver que moléculas orgânicas estão presentes. Os meteoritos estão cheios delas: aminoácidos, que são os legos que compõem as nossas proteínas, bases nitrogenadas, que fazem parte do nosso código genético, e uma série de outras moléculas orgânicas. O passo seguinte foi perceber se essas moléculas são terrestres e resultam da contaminação das nossas mãos ou são extraterrestres. Este era um dilema com mais de 40 anos que ainda ninguém tinha resolvido e eu descobri então, já lá vão mais de 10 anos, que as bases nitrogenadas, presentes nesse meteorito, não são contaminação terrestre, foram formadas fora da Terra..E isso significa o quê?.Assim como estes meteoritos foram trazidos para a Terra também foram levados para outras partes do nosso sistema solar, o que significa que o que acreditamos que foi fundamental para a origem da vida na Terra pode também ter estado na origem de vida noutras partes do nosso sistema solar. Portanto, expande as hipóteses no que respeita aos locais do nosso sistema solar onde a vida pode ter surgido e à descoberta de vida extraterrestre..Em 2020, estará a analisar as amostras recolhidas do asteroide Ryugu pela missão japonesa Hayabusa2. O que pode existir num asteroide?.É muito excitante. Este asteroide manteve-se inalterado desde a formação do sistema solar..Data da formação do sistema solar?.Exato. Estudar amostras como as que serão recolhidas deste asteroide é como entrar numa máquina do tempo. Permite-nos viajar até ao momento da formação do nosso sistema solar e determinar quais eram as suas condições fundamentais quando se formou e isso é fabuloso..Ajudará a responder às questões fundamentais da astrobiologia?.Sim, ajudará a responder à questão da origem da vida porque este asteroide é semelhante a outros que bombardearam a Terra e conseguirei dizer que moléculas orgânicas estavam presentes antes de a vida surgir no nosso planeta e que material é que lhe foi fornecido. Portanto sim, vai responder a uma série de questões para as quais há muito procuramos resposta. Não é todos os dias que trabalhamos numa missão internacional e conseguimos obter amostras de um asteroide quase tão primitivo como o nosso sistema solar. Para mim é muito entusiasmante e, apesar de a missão ser japonesa e outras nações participarem, ter o nome de Portugal envolvido é um orgulho..O que significaria para a humanidade a descoberta da existência de vida extraterrestre?.Penso que seria uma grande mudança, não só a nível da ciência, para a qual esta é uma das grandes questões, mas também a nível político, social e das relações, porque tem que ver com o nosso lugar ou posição no sistema solar e no universo. Até agora, a Terra é o único lugar onde sabemos com certeza absoluta que existe vida. A existência de vida extraterrestre iria colocar tantas novas questões..Serão assim tão novas?.Pois. Numa conferência da Royal Society, em Londres, abordámos precisamente esta questão. Como iríamos sentir-nos? Que dúvidas e desconfianças e questões se nos colocariam? Houve mesmo quem comparasse com a época dos descobrimentos, com a relação com os nativos, com o facto de termos levado doenças para as quais não tinham defesas, com a febre da conquista..Colonizar Marte, levar turistas ao espaço. Os sonhos de expansão dos humanos não tem limites. Será mais um planeta do sistema solar para destruirmos?.Antes de mais, há algumas questões que é preciso desmistificar. Tão cedo não levaremos humanos para Marte. Até há uma piada no meio científico porque há décadas se diz que é daqui a trinta anos. Não será. Só podemos levar humanos quando tivermos a certeza que é seguro e que não é uma missão suicida, mesmo que muitos digam que estão dispostos a arriscar a vida. O que a comunidade científica está a fazer são ensaios para se certificar de que é possível e seguro levar humanos para o espaço. Os astronautas que estão seis meses ou um ano na estação espacial internacional, expostos a radiação solar e microgravidade, sofrem os efeitos no corpo e na mente. Por isso, a questão do turismo espacial é sobretudo, na minha opinião, marketing. A colonização de Marte é uma ambição, porque os recursos no planeta Terra estão a esgotar-se e a exploração de minério ou a agricultura no planeta vermelho seriam uma alternativa, mas não será para já..Mas estão imensas missões a acontecer..O que pensamos que irá acontecer nos próximos anos serão missões de exploração robotizadas, com tecnologia avançada, que trarão amostras de Marte, para percebermos quais são as condições do planeta. Só muito depois disso poderemos, se pudermos, levar humanos. Há por exemplo, a questão da proteção planetária. Todas as nações do nosso planeta assinaram um acordo em que se comprometem a não contaminar nenhum corpo celeste do nosso sistema solar. Quando temos uma missão espacial temos que ter a certeza absoluta que não estamos a levar em número significativo moléculas e microrganismos para outros planetas e vice-versa em relação às amostras que trazemos para a Terra, recolhidas noutros planetas ou asteroides. Imagine que trazíamos um vírus que exterminava a espécie humana... foi a pensar nessa hipóteses que se criou o acordo de proteção planetária..A corrida ao espaço implica enormes custos, mas parece que também atrai investimento, uma vez que, além das agências espaciais públicas, há muitas empresas privadas a entrar nela. Porquê?.Sim, a Space X e outras. De facto, um estudo da NASA indica que o retorno económico e financeiro é muito significativo (por cada dólar investido há um retorno para a economia entre 7 e 14 dólares) e, na verdade, toda a tecnologia desenvolvida para as missões espaciais acaba depois por resultar em spin of com aplicação no nosso dia-a-dia na Terra e que melhoram substantivamente a qualidade de vida dos humanos. As Nações Unidas indicaram os 17 desafios de desenvolvimento sustentável e percebemos que as missões espaciais dão resposta a todos esses desafios se aplicarmos as tecnologias que foram e estão a ser desenvolvidas para explorar os outros planetas e criar as condições para os humanos viverem lá..Gostaria de ir numa missão espacial?.Não, porque conheço as consequências para a saúde física e psicológica que neste momento a exposição à microgravidade e à radiação têm para os astronautas: atrofia dos músculos, diminuição do cálcio, problemas cardíacos, afeção da visão, além da dificuldade emocional provocada por estar afastado da família durante tanto tempo e num espaço confinado..Além de Marte, para que outros planetas a humanidade pode sonhar expandir-se?.Sabemos que na luas geladas de Júpiter e Saturno existem oceanos de água líquida e poderão existir formas de vida extraterrestre.Diz-se que a vida pode ter surgido nas fontes hidrotérmicas no fundo dos oceanos, aqui na Terra... Algo semelhante pode ter acontecido ou estar a acontecer nessas luas geladas de Júpiter e Saturno, por exemplo na lua Europa e na lua Encélado..Nos filmes de ficção científica, imaginamos os extraterrestres esquisitos, mas sempre mais ou menos antropomórficos. Mas pode não ser assim. A vida extraterrestre poderá implicar uma redefinição do conceito de vida?.O que procuramos não são homenzinhos verdes, como os dos filmes, embora existam câmaras que registarão a existência, se for o caso, de formas de vida mais complexa ou inteligente. O que procuramos são microrganismos. Toda a tecnologia que desenvolvemos para a procura de vida extraterrestre tem subjacente o conceito de vida como a conhecemos na Terra - baseada em carbono -, ou seja, só conseguiremos detetá-la, se for baseada em carbono. Isso não significa que não existam outras formas de vida... Estamos a dar passos de bebé, mas seguros. Esperemos conseguir, nas próximas décadas ou séculos, descobrir vida extraterrestre e passar ao estágio seguinte de exploração espacial. De uma coisa estamos certos, todos estes passos são em frente e de sucesso ainda que por vezes pareça que determinadas missões espaciais falharam. Não, todas nos dão muitíssima informação e estamos cada vez mais perto de encontrar as respostas que procuramos..Perfil:.Zita Martins, 39 anos, passou os últimos 16 lá fora. Foi cientista convidada da NASA e investigadora da Imperial College de Londres, que lhe concedeu uma bolsa de um milhão de euros. Há um ano cumpriu o sonho de regressar a Portugal e formar uma equipa no Instituto Superior Técnico, onde também dá aulas. A nossa estrela da astrobiologia, participou e participa em diversas missões espaciais, entre as quais a japonesa Hayabusa2, que em 2020 poderá trazer algumas respostas.