Clima. Porque é que António Guterres convoca uma cimeira mundial?
O programa de atividades da Cimeira, a realizar na sede da ONU, em Nova Iorque, conta com centenas de oradores e participantes dos 193 países membros da ONU. António Guterres faz o discurso inaugural no sábado às 10:00 (15:00 em Lisboa), lançando um dia completo de painéis de discussão liderados por adolescentes e jovens adultos que, segundo o secretário-geral, estão a demonstrar liderança e "estão absolutamente corretos em pressionar para fazer melhor e unir através da ciência".
Entre os jovens ativistas mais mediáticos com presença prevista estão Greta Thunberg, Bruno Rodriguez, Wanjuhi Njoroge e Komal Karishma Kumar.
A Cimeira da Ação Climática, na segunda-feira, vai consistir na apresentação de projetos ambientais e iniciativas a nível internacional, anúncios de Contribuições Nacionais Declaradas (NDC, na sigla em Inglês) e a nível de parcerias público-privadas entre sociedade civil e empresas, com vista ao cumprimento do Acordo de Paris, alcançado em 2015, e da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
António Guterres disse que são esperados planos significativos para reduzir em 45% as emissões de dióxido de carbono durante a próxima década e para chegar à neutralidade carbónica até 2050.
A cimeira, que se realiza durante a semana da Assembleia-geral da ONU, que reúne líderes dos 193 Estados-membros, servirá também para preparar a próxima Conferência das Partes signatárias da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP25), marcada para dezembro em Santiago do Chile.
O secretário-geral da ONU escreveu aos líderes de todos os países para que, juntos, na ONU, assumam metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa mais ambiciosas do que as prometidas no Acordo de Paris, em 2015.
Eis alguns pontos essenciais sobre emissões de gases com efeito de estufa e alterações climáticas:
Numa conferência da ONU na capital francesa foi alcançado em dezembro de 2015 o chamado Acordo de Paris, segundo o qual a quase totalidade dos países do mundo se comprometeram a limitar o aumento da temperatura média global a um máximo de dois graus celsius (2ºC) acima dos valores médios registados na época pré-industrial. Está provado que a temperatura no planeta tem vindo a aumentar e que tal se deve à ação humana. O Acordo de Paris pretende limitar esse aquecimento a menos de 2ºC e que de preferência não ultrapasse os 1,5ºC.
O Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), formado por cientistas e sob os auspícios da ONU, lançou em outubro do ano passado um relatório científico segundo o qual é urgente que se tomem medidas para impedir que o aumento da temperatura exceda os 1,5ºC, salientando que as consequências serão agravadas se esse aumento chegar aos 2ºC. Não ultrapassar até ao fim do século os 1,5ºC de aumento de temperatura significa reduzir em 45% até 2030 as emissões de dióxido de carbono.
A atividade humana provocou já o aumento da temperatura em 1ºC. Com um aumento estimado em 0,2ºC por década os 1,5ºC serão atingidos em 2040, se nada for feito.
Até agora têm vindo a aumentar as emissões de gases com efeito de estufa.
É o nome dado ao aumento da temperatura sentido em todo o planeta, seja na atmosfera seja nos oceanos, devido à atividade humana, especialmente pela queima de combustíveis fósseis. Substituir os combustíveis fósseis por energia limpa, como a eólica ou solar, diminui substancialmente a emissão de gases com efeito de estufa. O mesmo acontece com transportes não poluentes.
Muitos países, entre eles Portugal, já anunciaram medidas de transição e eficiência energética para as próximas décadas, ainda que de concreto nada de substancial tenha sido feito.
O aquecimento global provoca o degelo das calotes polares, a subida do nível das águas do mar, a acidificação dos oceanos, a destruição de ecossistemas, a extinção de espécies, e provoca fenómenos meteorológicos extremos cada vez mais intensos e frequentes.
A grande quantidade de dióxido de carbono lançado para a atmosfera, que provoca o chamado "efeito de estufa", faz também com que aumente a quantidade de dióxido de carbono dissolvido na água do mar.
Na ligação do dióxido de carbono com a água do mar forma-se o ácido carbónico, contribuindo para a acidificação. Estudos que têm sido divulgados indicam que o ph (nível de alcalinidade, neutralidade ou acidez da água) está a mudar e que a acidez dos oceanos aumentou 30%.
A acidificação pode afetar animais com conchas, algas e corais, mudar habitats e reduzir espécies (o bacalhau, por exemplo, segundo um estudo recente). Há estudos que alertam que se nada for feito, a longo prazo a acidificação pode acabar com toda a vida nos oceanos.
À destruição da biodiversidade causada diretamente pelo Homem junta-se a destruição causada pelas alterações climáticas. Segundo um relatório científico divulgado em abril passado, um quarto de 100 mil espécies avaliadas pode desaparecer, seja por pressões causadas pelo homem seja pelas alterações climáticas. Os cientistas dizem que a extinção de espécies está a ocorrer a uma rapidez nunca antes registada.
Um relatório das Nações Unidas alertava recentemente que está ameaçado um milhão dos oito milhões de espécies animais e vegetais que se estima existirem na Terra, sendo as alterações climáticas uma das causas diretas.
Especialistas e investigadores têm ciclicamente divulgado estudos alertando para o declínio do número de espécies provocado pela deterioração ou destruição de ecossistemas. E há pelo menos um estudo que diz que a maior extinção em massa do planeta aconteceu devido às alterações climáticas.
O aumento da temperatura na Terra também se faz sentir nos polos levando a que as massas de gelo derretam mais rapidamente. Na IV Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, no Quénia, foi apresentado um relatório segundo o qual a temperatura do Ártico vai aumentar entre 03ºC a 05ºC até 2050. Para a Antártida também têm sido apresentados estudos com dados similares.
O degelo nos polos, onde o aumento da temperatura é superior à média, e dos glaciares provocam a subida do nível do mar.
Especialistas estimam que o gelo marinho do Ártico tenha diminuído 40% desde 1979 e que os verões na região deixarão de ser gelados antes de 2030, a continuarem as atuais emissões de dióxido de carbono.
As temperaturas elevadas afetam zonas que no passado estavam permanentemente geladas ('permafrost'), cujo degelo resulta na libertação de metano, gás com efeito de estufa mais pronunciado que o dióxido de carbono. Os grandes incêndios deste verão no Alasca e na Sibéria são consequência do aquecimento global.
Um trabalho publicado em fevereiro na revista científica Nature indica que o derretimento do gelo na Gronelândia e na Antártida vai causar temperaturas mais extremas e imprevisíveis, com os investigadores a alertarem que com a atual emissão global de CO2 as temperaturas irão subir 03ºC a 04ºC.
Uma equipa de investigadores da Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos diz que vai haver uma subida acentuada do nível do mar a partir de 2065. Outros cientistas já advertiram que os glaciares dos Alpes europeus vão perder metade do gelo até 2050.
A subida do nível do mar vai levar ao desaparecimento de zonas ribeirinhas e pode mesmo submergir países inteiros, como as ilhas Fiji ou as ilhas Marshall. Um estudo científico deste ano alerta para uma subida do nível do mar que pode atingir os dois metros.
Fenómenos meteorológicos extremos -- ondas de calor, chuvas fortes, incêndios incontroláveis, tempestades e inundações, períodos extensos de seca - decorrentes das alterações climáticas são cada vez mais frequentes, desde ciclones e tufões de intensidade fora do normal, temperaturas com valores nunca observados e chuvas devastadoras, como aconteceu neste verão.
Segundo cientistas que publicaram no final do ano passado um estudo na revista Nature Climate Change, vão intensificar-se até ao fim do século as catástrofes climáticas múltiplas, das ondas de calor extremo aos incêndios, das inundações às super-tempestades.
O aquecimento global está a levar a grandes secas e incêndios devastadores nas zonas secas, a chuvas intensas e inundações nas zonas húmidas e à formação de super-tempestades nos oceanos de água mais quente.
No ano passado os Estados Unidos e a Austrália enfrentaram secas intensas e grandes incêndios, com temperaturas inéditas. Uma vaga de frio matou duas dezenas de pessoas nos Estados Unidos. Este verão a Europa foi atingida por pelo menos duas ondas de calor.
Há dois anos, no final da 23.ª Conferência da ONU sobre o clima, em Bona, mais de 15 mil cientistas de 184 países concordaram que o planeta está a ser "desestabilizado pelas alterações climáticas". Os exemplos são cada vez mais frequentes, embora desacreditados por líderes de países como os Estados Unidos, a Rússia, a Arábia Saudita ou o Kuwait.
Atualmente o consenso científico é o de que os efeitos das alterações climáticas estão a ser mais rápidos, mais intensos, mais frequentes e mais devastadores, em termos económicos, mas também humanos, com implicações na saúde e disponibilidade de alimentos no futuro.
Apesar de serem um dos maiores emissores de CO2 do mundo os Estados Unidos não deverão estar representados a alto nível na cimeira de segunda-feira.