Vale tudo

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Durante cinco anos, o cidadão Pedro Passos Coelho esqueceu-se de pagar a contribuição à Segurança Social. Nesses anos, passou pela Câmara da Amadora, foi consultor e gestor de empresas, mas nunca se lembrou de que tinha contas a ajustar com a Previdência. Ou não sabia, acreditava que não era uma obrigação mas uma opção. Até porque recebeu uma carta da Segurança Social que explicava que a sua dívida de 2880,26 euros já tinha prescrito mas que podia, se quisesse, pagá-la voluntariamente (quatro mil euros, com juros). Ora sejamos honestos: quantos de nós, avisados de um incumprimento prescrito, teríamos a iniciativa de sair de casa de madrugada para ainda apanhar senha e passar o dia numa repartição para pagar uma dívida, sem ser sob a ameaça de que nos tirariam o carro, a casa ou o rendimento? Ou mais concretamente, quantos dos 107 mil portugueses que o ministro da Segurança Social disse terem sido vítimas, na mesma altura, de erros semelhantes da administração o terão feito? Mas é aqui que a porca torce o rabo. Em 2004, talvez Pedro Passos Coelho fosse ainda mais ou menos igual aos outros 107 mil - ainda que a vida política lhe conferisse responsabilidade acrescida. Mas a partir do momento em que sequer ponderou candidatar-se a primeiro-ministro, deveria ter a certeza de que não tinha telhados de vidro. Não é o risco de ser atacado pela oposição que está em causa. É mesmo uma questão moral: um primeiro-ministro tem de estar acima de suspeita. Sobretudo um chefe de governo que, pelo momento em que lidera, é obrigado a pedir sacrifícios extremos a todos para recuperar o crescimento e a dignidade do país. Sobretudo um governante que faz do combate à evasão fiscal, à fraude e ao incumprimento - e com excelentes resultados, quer nos hábitos dos portugueses quer na receita, vital para o Estado - bandeiras da sua legislatura. E, acima de tudo, não pode, confrontado com os factos, desculpar-se com o desconhecimento da lei ou com exemplos piores. Devia ter assumido, pedido desculpa e guardado para usar a frio o conhecimento de que a campanha para as legislativas arrancou. O timing é tudo. A carta da Segurança Social chegou em 2012, já Passos era primeiro-ministro. A história saiu três anos depois - a seis meses das eleições e depois de uma semana de aproveitamento político das declarações de António Costa elogiando o resultado destes quatro anos de governo. E isto é só o início. Sem descolagem nas sondagens e sem ser possível, em consciência, fazer promessas mobilizadoras, podemos preparar-nos para assistir a uma campanha à americana. Vale tudo.

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