Suspeição
O bom nome da Câmara Municipal de Lisboa está seriamente prejudicado pelas enormes suspeições que sobre ela impendem. São vários e graves os casos que indiciam comportamentos irregulares dos serviços camarários em projectos imobiliários. O volume das suspeitas chegou a tal ponto que o presidente da câmara se sentiu obrigado a anunciar, no final do ano passado, uma sindicância que se diz estar prestes a iniciar-se. Na memória recente estão os casos de um loteamento em Marvila, que levou à demissão do director municipal de Gestão Urbanística, e da acusação do presidente da Bragaparques de corrupção activa.
A Bragaparques é uma empresa importante, que mantém há muito um relacionamento estreito com o Município de Lisboa. E a acusação do Minis- tério Público é tão-só a de tentativa de corromper um vereador que "apanhou" o empresário em flagrante. Perante este facto, e outros que continuam sob suspeita, o presidente da Câmara de Lisboa não se mostrou preocupado. Disse publicamente que estaria preocupado se a tentativa de corrupção tivesse acontecido com ele...
Rareia a responsabilidade institucional. Muitos dos actores políticos da nossa praça tendem a esquecer ou a desvalorizar as suas obrigações institucionais e o seu zelo pela higiene dos negócios públicos. Carmona Rodrigues devia entender que a tentativa de corrupção de um vereador não é um problema individual. A tentativa de corrupção de um vereador é uma tentativa de corrupção da câmara municipal. E ao constatar que o Ministério Público entendeu formular uma acusação é porque existem indícios suficientes para avançar com o processo. Não pode pois deixar de estranhar-se a ligeireza com que aborda esta questão.
Acumulam-se as suspeitas todos os dias e, aparentemente, nada parece travar a "normal" relação entre o município e a Bragaparques. Mesmo não existindo qualquer julgamento e condenação, o presidente da Câmara de Lisboa não pode agir como se nada tivesse acontecido. Deve estar obrigado a cautelas acrescidas sobre a evolução dos processos urbanísticos em curso. Não é isso que parece estar a acontecer. A urgência em obter receitas para combater o défice municipal não pode tudo justificar. E tão grave como permitir deferimentos tácitos é apressar decisões pouco claras em que o interesse público não esteja devidamente protegido. Nesta altura, qualquer decisão que envolva uma empresa sobre a qual recai a acusação de corrupção activa merece a desconfiança dos cidadãos. Carmona Rodrigues tem a obrigação de o perceber.