Capelinhos, do medo à emigração ou como uma tragédia se transformou em oportunidade

"Não se via nada verde, estava tudo negro", lembrou um morador, referindo em particular a noite de 12 para 13 de maio de 1958. "A lava parecia um rio de ouro", disse outra moradora

Quando pisa os Estados Unidos da América, Maria Humberta Matos, o primeiro bebé nascido no estado de Rhode Island filho de emigrantes que deixaram o Faial, nos Açores, após a erupção do vulcão dos Capelinhos, não consegue controlar as lágrimas.

"Quando chego, choro. É uma ligação inexplicável", afirmou à Lusa Maria Humberta, de 57 anos, proprietária do café "O vulcão" e de uma mercearia, para acrescentar que aqui - o mesmo é dizer na Horta, concelho único do Faial - não há lugar onde possa dizer que nasceu.

Os pais de Maria Humberta partiram para Providence, Rhode Island, em 1959, mas regressaram a 27 de novembro de 1960, tinha a bebé nove meses e a nacionalidade americana.

De 26 para 27 de setembro, todo o dia a terra tremeu

De Providence, onde já foi por três vezes, Maria Humberta exibe fotografias da casa que foi o seu primeiro berço e que é hoje património da cidade; da erupção, revela os relatos que lhe foram transmitidos pelos pais, que incluem medo e as dificuldades de um tempo em que terra e mar eram sinónimos de subsistência da população.

A erupção do vulcão dos Capelinhos começou a 27 de setembro de 1957. Um ano depois começou a perder força e, a 24 de outubro de 1958, ocorreu a última emissão de lavas e o vulcão adormeceu.

"De 26 para 27 de setembro, todo o dia a terra tremeu", contou Manuel Rodrigues Vargas, de 78 anos, que era "vizinho do vulcão".

O mar estava amarelo e a água a ferver e as explosões aumentavam cada vez mais.

O idoso recordou depois o momento em que "pararam os abalos de terra", mas "uma mancha negra apareceu no mar", presumindo na ocasião que uma qualquer embarcação tivesse lavado os tanques.

Até que um colega o informou que estava "um vulcão a rebentar fora dos Capelinhos", adiantou Manuel Vargas, revisitando as memórias desse dia. "O mar estava amarelo e a água a ferver e as explosões aumentavam cada vez mais".

"Todos tínhamos medo", afirmou o morador que, após as primeiras explosões, foi obrigado a ir "cinco semanas para a cidade mais a família" (Horta), para depois voltar a casa.

As explosões eram recorrentes, assim como os dias transformados em noite devido às cinzas vulcânicas.

"Não se via nada verde, estava tudo negro", referiu, lembrando, em particular, a noite de 12 para 13 de maio de 1958, quando sentiu "o primeiro abalo de terra" e depois outro, mais outro e muitos outros. Foram 450 nessa noite, na qual, diz-se, não se conseguia rezar um Pai Nosso completo que não fosse interrompido por um sismo.

Manuel Vargas prosseguiu a narrativa, quase atropelando as palavras na ânsia de que nada ficasse esquecido no acontecimento que mudou a ilha: "Eram casas a cair, cães a uivar, vacas a mugir".

A lava parecia um rio de ouro

"[Na fuga], houve um tremor de terra que abriu uma fenda no caminho, caímos para cima das hortênsias e uma camioneta ficou lá enterrada", reviveu, recordando também uma ilha rodeada de barcos na eventualidade de ser necessária a sua evacuação.

Parentes de Manuel Vargas "embarcaram" - o que, por estes lados, é sinónimo de emigrar -, mas quando o jovem tentou a sua sorte disseram-lhe: "Já não há mais vistos".

Já Aida Silva, agora com 73 anos, reteve a imagem de uma explosão, "um cogumelo como se fosse a bomba atómica", para reconhecer que "visto de noite era lindo".

"A lava parecia um rio de ouro", acrescentou Conceição Silveira. O vulcão surpreendeu-a quando tinha dez anos, com os quais se passeou nos Capelinhos sem medir perigos, mas a sentir medo quando a terra dava de si.

José Escobar emigrou para a Califórnia, Estados Unidos da América, em setembro de 1959. O objetivo era "fazer casa e comprar dez alqueires de terra" no Faial. Chamou os pais e irmãos.

Hoje, com 79 anos, e depois de ter conhecido o sonho americano, só regressa à ilha de férias.

Por seu turno, Tomás Alberto Matos, de 80 anos, considera que "os que ficaram mais prejudicados foram os mais velhos, que perderam as suas terras", já que "os que emigraram puderam melhorar" a vida. A erupção, lembrou, acabou por "dar mais lucro por causa dos emigrantes", cujas remessas ajudaram quem ficou.

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